Wal Reis

Sobre esta tendência irresistível de apelidar (quase) todo mundo

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Eu não sei direito quando comecei a colocar apelidos em quem gosto. Tenho uma lembrança que me remete aos primeiros anos do ensino fundamental quando uma amiga me rejeitou porque eu era meia caretinha e ela estava em uma fase, digamos, moderninha. Deixou de falar comigo e fiquei um bom tempo perdida, procurando minha turma, tentando entender o que tinha feito de errado, buscando o defeito em mim, como geralmente fazemos.

Depois de amargar o vazio de ter a melhor amiga me ignorando aos 11 anos – e isso aos 11 equivale a um crime de adultério –, o nome Adriana passou a ser sinônimo de traição e todas as Adriana´s que chegaram depois nunca foram chamadas pelo nome de batismo. Viraram Drix, Drú, Didi…

A partir de então apelidar alguém era como içá-lo a um patamar de intimidade. Passou a ser o carimbo no passaporte de um conhecido, acenando que ele passava a ter trânsito livre para virar amigo. Uma maneira de dizer: “olha, eu gostei de você. Pode chegar mais perto.”

Mas essa tendência de transformar Karina em Kaká, Flávio em Flá, Ivan em Vanvan, Roberto em Rober, Maria José em Marie Joe, Ricardo em Rick, Mônica em Momo, Lucianos em Lulis ou de aplicar o diminutivo em nomes próprios pode também ser genética, herança paterna.

Talvez por isso tenha ficado triste quando meu pai voltou a falar, depois de um AVC que o deixou afásico, e notei que ele havia esquecido dos codinomes que aplicava em praticamente todo mundo, alguns, confesso, impublicáveis e preconceituosos.

Ele parou, mas eu continuo a tradição. Porque o apelido com o qual rebatizo as pessoas do meu círculo constrói uma ponte que me dá uma espécie de acesso exclusivo ao apelidado. Quando você ganha uma alcunha é porque garantiu um lugar no meu coração.

Mas a recíproca verdadeira: sou incapaz de chamar por apelido aquele que perdeu minha confiança. É como se eu arrancasse a medalha com a qual o condecorei por não ter mais o mérito. Nesses casos, meu afastamento pode nem ser físico, mas ao voltar a chamar alguém pelo nome real eu automaticamente fechei os acessos à minha intimidade e vou passar a recebê-lo com o portão fechado, guardando distância segura, como quem recebe uma pizza por delivery.

*Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida.

Crédito imagem: Pixabay

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