Wal Reis

Desculpe, foi engano

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“Concentra. Começa tirando a lente cor-de-rosa e encara: ele era isso o tempo todo.”

Esse exercício, proposto por mim para uma amiga, tinha a intenção de fazê-la puxar para o nível de consciência, situações desagradáveis e mensagens subliminares – e outras nem tão subliminares assim – de um relacionamento que já tinha dado todas as provas de que não fazia mais sentido.

Parecia cruel: ela do outro lado do mundo, precisando ser consolada, querendo ouvir que era possível esquecer as traições, passar uma borracha e apagar dores dilacerantes para se atirar nos braços que lhe eram estendidos novamente. Porém, nesse caso, eu é que não me perdoaria por deixá-la pular no abismo.

Foram meses de ligações, voltas atrás, broncas, lágrimas, convicções quebradas, cansaço de mil maratonas. Mas, no fundo, ela sempre soube qual era o caminho e só queria ser lembrada disso. E esse caminho passava longe de ser o mais fácil.

Aos poucos, aquela história de amor se dissolvia. Não por esquecimento, mas porque nunca tinha sido de amor.

Me pego pensando na quantidade de vezes em que sabemos que ali não é nosso lugar, mas nos recusamos a ver. Sabemos exatamente onde está o erro, mas trazemos a culpa para nós. Isso nos dá uma hipotética sensação de controle e a falsa impressão de que podemos mudar os ventos: “eu pressionei. Não deveria ter tocado naquele assunto. Preciso tomar cuidado com as palavras. Sou tão negligente.”

Tão doído isso, essa anulação. A artimanha para tentar transformar o duvidoso em certo. Esse frenesi para colocar o outro no molde da pessoa sob medida para seus sonhos, fingindo não reparar nas arestas que ficam do lado de fora. Você sabe que a peça do quebra-cabeça não é aquela, mas força o encaixe. É como comprar a calça menor esperando que a dieta a torne viável. Ou optar pela foto retocada para estampar a rede social. Não dá certo. Porque a realidade é outra. E uma hora ou outra ela vai gritar, invariavelmente.

Os sinais sempre estarão ali. Às vezes respondem pelo nome de intuição, outras são fatos declarados, que nossa miopia desfoca. E vamos seguindo meio às cegas, olhando para o chão, desviando dos galhos, com medo de levantar a cabeça e encarar que o caminho ainda é muito longo para fingir que os espinhos não machucam.

Deveríamos nos dar a chance de não insistir na ligação errada e declarar solenemente: “desculpe, foi engano. Engano meu, não seu. Você é o que é e não o que eu gostaria que fosse. A gente se vê por aí. Mas nunca mais vamos nos reconhecer.”

*Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida.

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