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( vote)A história é do auge da pandemia, mas a lição vai servir para sempre
*Texto de Wal Reis.
Pandemia´s time. Lista de supermercado da minha mãe em punho, luvas, máscara e lá vou eu para o front de batalha: o supermercado mais próximo, meio pequeno, daqueles que normalmente você tromba com as pessoas, faz bate-bate de carrinhos, sorri, pede desculpas e segue o jogo. Mas nesses dias não: se você vira abruptamente em um corredor e há um ser humano ali seu instinto é dar marcha ré.
Olho a folha de caderno e concluo, com a empáfia de quem sempre está – ou acha que está – andando na frente, que minha mãe esqueceu de incluir muita coisa. E então vou passando pelas prateleiras e recolhendo biscoitos, geleias, queijo, pães de todos os formatos – porque o da semana passada, obviamente, deve ter acabado – bolo industrializado, molho de tomate, vinho. Retorno triunfante, me achando uma heroína e provedora moderna.
Já em casa, minha vai mãe me ajudando a higienizar os invólucros. Retiro os produtos das sacolinhas e vou declarando com olhar triunfante: “você esqueceu de marcar torrada, mas eu peguei…” E assim seguia minha demonstração de eficácia até que…
– Você não comprou salsinha.
Olho a lista. Sim, a salsinha estava lá, entre o detergente e a aveia em flocos. Não vi.
– Mas, mãe, pra que você queria salsinha?
– Para colocar em tudo que vai salsinha.
Tentei argumentar sobre o tempero poder esperar a próxima compra.
– O queijo e mais esse monte de coisas que você trouxe, sem eu pedir, podiam esperar. A salsinha acabou. Por isso coloquei na lista.
Nunca achei que uma hortaliça fosse me dar uma lição de moral.
Quantas vezes não tentamos convencer as pessoas sobre o que a gente “acha” que elas precisam? Quantas vezes, sob o argumento de querer o bem, não puxamos sumariamente pela mão alguém para apresentar novas possibilidades? “Olha, está vendo? Você pode conseguir isso e aquilo, você pode ser assim e assado, viajar mundos, correr maratonas, ir aqui e ali. Sua vida vai ser muito melhor.”
Quem disse? Quem, além da nossa soberba, sabe o que é o melhor para o outro? E, às vezes, pode ser até que seja, mas e se ele não quer? Se não está pronto ou simplesmente tem medo de tentar? E se meus pais não quiserem se empanturrar de biscoito recheado e sorvete só porque eu achei que o mundo deles ia ficar mais doce assim? E se tudo que minha mãe queria naquele momento era a droga da salsinha para continuar fazendo as comidas de sempre, imprimindo um padrão de normalidade em sua rotina de isolamento?
*Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br
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