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( votes)Hoje esses pássaros são enxotados, mas já foram bem-vindos. Às vezes acontece o mesmo com a gente
Outro dia, na praia, observei um garoto, com cerca de 6 anos, assustando pombos. Ele gritava e arremessava areia naqueles seres parecidos com passarinhos, mas que, na verdade, hoje sabemos, transmitem doenças. Pensei na evolução da ciência, que descobriu o quão perigosos para a saúde eles podem ser. Quando tinha a idade daquele garoto, aparentemente, meu avô não sabia que não deveria alimentá-los: íamos ao parque, com saquinhos de arroz e farelo de pão, para banquetear as criaturas aladas e eu, ao contrário do garoto, adorava vê-los aos meus pés. A única frustração era não conseguir acariciar as penas furta-cor.
Porém, a tese não tem nada a ver com fauna urbana. Lembrar minhas tentativas de aproximação com as aves e ver a criança as rechaçando fez pensar que nós, assim como os pombos, temos ciclos de sermos atraídos e outros de sermos abnegados.
Enquanto alvo de uma conquista, acostumamos com palavras doces, declarações rasgadas e planos auspiciosos de compartilhar felicidade. Isso alimenta a alma. Mas, diferente dos pombos que não se deixam enganar com comida farta e seguem arredios por não confiarem em humanos, embarcamos em certos relacionamentos “canoa furada” e só nos damos conta do engano quando estamos em mar aberto.
Então, sentimos na pele o que os pombos, hoje em dia, sentem nas penas: desprezo e raiva, como se também transmitíssemos doença contagiosa quando a paixão acaba. Fica complicado trocar a sensação de ser imprescindível pela de ser enxotado da vida de quem nos prometeu ninho. Perceber a necessidade imperativa de distância de quem jurou que queria proximidade.
Mas ninguém – nem mesmo os pombos – merecem tentar matar a sede em fonte que secou. Além disso, só eles se alimentam de migalhas: a nossa fome de amor deve ser maior. Quando não somos mais bem-vindos, o melhor é, mesmo com a asa quebrada, tentar voar para longe e experimentar novas rotas.
Wal Reis
Jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre coisas da vida e comportamento no blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br
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