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( votes)“Eu tinha apetite pela comida, pela minha vida. E isso desapareceu. Quero ir a algum lugar e me maravilhar com algo. O idioma, gelato, spaghetti. Qualquer coisa!”
A declaração está no best-seller de Elizabeth Gilbert Comer, rezar e amar, de 2006. Em seu romance autobiográfico, Gilbert segue para uma viagem de autoconhecimento, respectivamente, para Itália, Índia e Indonésia, sendo que coube à Itália fazer com que a escritora reestabelecesse sua fome por viver e pela boa mesa, após uma separação conjugal complicada, que lhe consumiu quilos e lhe presenteou com uma depressão profunda.
Assim como a escritora em suas desventuras, boa parte de nós rechaça comida quando se sente triste. A falta de disposição em se alimentar está ligada à falta de prazer em degustar aquele momento. No extremo oposto, temos as pessoas que comem por compulsão quando ansiosas, uma tentativa de compensar um vazio que, sabidamente, não está no estômago.
Em contrapartida, não consigo entender aqueles que fazem turismo e se negam a provar a gastronomia local, nem que seja para concluir que não apetece. Porque conhecer lugares e culturas inclui conhecer novos sabores desde que nada esbarre no bizarro, uma vez que estamos falando em deleite alimentar e não em curso de sobrevivência na selva.
Podem reparar: pessoas não dispostas a provar novidades gastronômicas, mesmo quando as oportunidades se apresentam, via de regra, não se animam com mudanças e preferem a segurança da rotina. Ficam, literalmente, no arroz com feijão.
Mas há também quem fecha a carta e pede salada e água até diante de um menu três estrelas Michelin, com a única justificativa de se ater à dieta. Como alguém – normalmente adepto às bebidas alcóolicas e à boa mesa – pode passar os olhos por sugestões que já despertam a larica só na leitura dos ingredientes ou se privar da alegria de um drink diferente e colorido para servir à balança como a um deus pagão?
A ideia não é enfiar o pé na jaca o tempo todo, mas há passeios e lugares que pedem um “hoje sim”: ir à Portugal e não experimentar doces cheios de açúcar e ovos? Ir à Itália e não pedir um vinho “da casa”? Visitar a Espanha e não se acabar em tapas e sangria? Ir ao Uruguay e não provar uma parrilla? Conhecer Nova York e não se esbaldar com um único hot-dog de barraquinha? Entrar em um pub londrino e fingir que não viu fish and chips em todas as mesas?
Comer é uma questão fisiológica, mas pode ser uma experiência sensorial mesmo sem ser impactado por uma elaborada receita de chef, mesmo que o menu for da casa da avó. Porque memórias gustativas também são memórias e recheiam – nos dois sentidos – nossas melhores histórias.
O poder de um ramo de salsinha
Comida também alimenta a alma. Uma sopa quente, servida por quem cuida, quando o frio não congela só os ossos, é bálsamo para dores que não curam com outros remédios. Refeição bonita, arrumada no prato com capricho pelo anfitrião, passa o recado que somos importantes e bem-vindos. E, às vezes, faz aqueles que não a tem com regularidade se sentirem gente. Ouvi de um morador de rua uma vez, durante um trabalho social, ao lhe entregar uma marmita com os alimentos cuidadosamente separados e enfeitados com um ramo de salsinha: “parece comida de restaurante. Dá pena de desmanchar. Faz a gente lembrar que é gente igual a todo mundo”.
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