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( vote)Por Marcelo RIo
Mais de 655 mil casos de falência individual por ano nos EUA são decretados por questões envolvendo falta de pagamentos na área da saúde
Quando falamos em viver na América, temos muitos pontos positivos a serem ressaltados: oportunidades de prosperar, qualidade de vida, segurança, boas escolas etc. Mas se há algo que realmente não pode entrar nessa lista é a questão do sistema de saúde americano, que há décadas é extremamente confuso e gera cobranças tão surreais que acabam levando centenas de milhares de pessoas à falência anualmente.
Ao contrário do Brasil, os Estados Unidos não possuem um SUS (Sistema Único de Saúde), que atende 70% da população, cerca de 147 milhões de brasileiros, por isso, as pessoas optam por ter um seguro saúde ou por pagarem pelas despesas hospitalares somente quando precisam, segundo explica o vice-presidente de Estratégia Global e Análise da AdvaMed (The Advanced Medical Technology Association), Steven Bipes, existem três categorias que recebem um subsídio do governo para atendimento médico e hospitalar gratuito: os idosos (50,5 milhões), os comprovadamente pobres (61,65 milhões) e os militares (14,14 milhões). Esse subsídio não cobre todas as despesas, fazendo com que os integrantes dessas categorias tenham que arcar de 2% a 32% dependendo do tipo de atendimento. “Depois dessas três categorias, há os que têm seguros de saúde pagos pela empresa ou pela própria pessoa e no meio existem os que não se encaixam em nenhuma das categorias, que recebem tratamento gratuito e nem pagam, o que é bem arriscado, pois quando precisarem, poderão não ter como arcar com uma conta de hospital altíssima, por isso acredito que deveria ter um debate profundo sobre o tema com a população para saber o que ela deseja. Hoje, vemos que os democratas querem algo semelhante ao que existe no Brasil com o SUS, os republicanos também querem uma solução, mas se preocupam com os custos para se criar um programa desse porte, então há um impasse e o problema se arrasta”, afirma Bipes.
Ter ou não ter um seguro saúde?
Muitos brasileiros e os próprios americanos costumam se fazer essa pergunta quando não trabalham em uma empresa que paga o seguro saúde. Os altos preços de muitos seguros e a complexidade absurda para entendê-los levam muitos a adiarem essa decisão, mas é importante ter em mente que todos irão adoecer mais cedo ou mais tarde, e estar totalmente descoberto não parece ser uma boa ideia, exceto se estivermos falando de um bilionário.
Contratar um seguro saúde aqui nos Estados Unidos demanda uma pesquisa muito aprofundada com quem entende sobre esse setor, isso porque há vários formatos, modelos e preços. O palestrante e mestre em Administração com ênfase em Saúde, Business and Management for Internacional Professional, pela University of California Irvine, UCI, Christiano Quinan, explica o ideal a ser feito. “O primeiro passo para escolher um seguro adequado é buscar um profissional habilitado, com experiência e que entenda em detalhes o planejamento de vida deste brasileiro e sua família, ou seja, é necessário saber sobre sua saúde ou doenças, seu status imigratório, sua experiência em saúde nos EUA, sua relação ainda com o Brasil, entre outros aspectos que irão influenciar na escolha adequada. É preciso buscar um aconselhamento bem detalhado, para que as “surpresas” não aconteçam tão frequentemente, pois os produtos americanos são completamente diferentes do que nós, brasileiros, estamos acostumados no Brasil.”
Ainda segundo Quinan, os contratos de seguros em sua forma de pagamento possuem custos extras, e estas despesas são chamadas de out-of-pocket.
Os valores dos seguros saúde variam muito, um casal na faixa de 40 a 50 anos com um filho, pode pagar de US$ 1200 a US$ 1600 por um de boa qualidade, mas é importante não se ater ao preço como critério de qualidade, pois há os que cobram o mesmo valor e oferecem bem menos em termos de cobertura.
Bipes também destaca o quanto é importante entender exatamente o que um seguro saúde cobre. “Dentro de cada um dos formatos, existem variações, por isso, é preciso entender a complexidade de cada um para escolher o apropriado para a pessoa e sua família, sem correr o risco de na hora de precisar de um médico, receber depois uma fatura de US$ 100 mil dólares. Importante destacar que quem possui um seguro pago pela empresa também precisa saber tudo o que é coberto, para não levar um susto depois.”
Formatos de seguro de saúde
Existem três modelos, mas, como já citado, em cada um deles há variações sobre coberturas e valores.
O Deductible, que é um valor geralmente anual, de responsabilidade da pessoa, é o limite, a partir do qual a seguradora começará a dividir as contas com o segurado, exatamente como em um seguro de carro. Há produtos americanos com Deductible de até US$ 50,000 (há outros com valores bem menores). Traduzindo: o seguro começa a garantir cobertura a partir do valor desse Deductible.
O Coinsurance, que é a porcentagem fixa dos tratamentos disponíveis que o segurado pagará, independentemente do Deductible. Uma tomografia, por exemplo, podemos até coparticipar com 40% de seu valor.
O Copay, que é o valor fixo que também deve ser pago por determinado serviço médico. A diferença em relação ao Coinsurance é que, nesse caso, não é expresso em porcentagem.
Gastos médicos podem levar à falência
Com tantas regras, muitos podem achar que o melhor mesmo é pagar a conta quando ficar doente, mas isso é um erro grave, como explica Quinan. “Nos EUA, as contas hospitalares são a maior causa de falência individual e são mais de 655 mil casos por ano. É preciso atenção com a possibilidade que um problema de saúde cause algum tipo de stress financeiro. Só para citar alguns exemplos de custos para quem não tem seguro saúde nos EUA, uma cirurgia emergencial de apendicite, com uma diária de UTI, não fica por menos que US$ 123,000. Uma visita ao Emergency Room (ER), com dor no peito a ser esclarecida, US$ 24,000. Uma ressonância do crânio do meu filho, que caiu de bicicleta, US$ 3,000, só a ressonância. Uma confirmação de diagnóstico para dengue, US$ 23,000”.
Brasileiros que residem nos EUA buscam atendimento médico no Brasil
Com muitas dúvidas e receio de contas milionárias, muitos brasileiros que residem aqui encontraram uma saída inusitada: ir ao Brasil para passar por um tratamento médico. Quinam explica quando essa alternativa é viável. “Esse movimento é uma atitude muito comum, mas precisamos analisar caso a caso, pois há risco inclusive nesse translado médico ou retorno ao Brasil. Nos casos eletivos, onde há possibilidade de viagem sem risco, e dependendo da patologia e das coberturas, ou seja, ter ou não um plano de saúde no Brasil e/ou nos EUA, é mais prudente voltar à terra natal, não somente pelo tratamento, mas por estar no berço da família, no modelo de empatia entre médico e paciente a que nós brasileiros estamos acostumados, que é bem diferente entre os dois países.”
Resumindo, para ficar tranquilo é importante ao menos ter um seguro saúde americano que cubra emergências que, claro, não podem ser previstas. Mas se for um problema que possa suportar uma viagem e que não será coberto pelo seguro, o melhor é ir para o Brasil. Porém, o ideal é já ter um plano de saúde lá, pois sabemos que a saúde pública brasileira é cheia de falhas e as filas em muitos lugares levam meses.
Tecnologia de ponta não é justificativa para preços tão altos na saúde
Estados Unidos e Brasil possuem grandes diferenças quando o assunto é saúde, mas também há semelhanças, e uma delas é relacionada aos preços que sobem cada vez mais, seja para ter um seguro ou pagar um plano de saúde.
Segundo Bipes, os preços dos seguros sobem anualmente na casa de dois dígitos nos Estados Unidos, o que significa dizer que a renda anual de uma pessoa ou família é consideravelmente afetada.
No Brasil, a situação não é diferente para quem paga convênio médico, pois os planos de saúde estão subindo de 20% a 50% a cada ano, enquanto a inflação no país está abaixo de 4%.
A alegação dada tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil para esses valores cada vez mais exorbitantes é de que a tecnologia utilizada em aparelhos e produtos da área da saúde encarece os custos e, por isso, os valores são repassados aos usuários. Entretanto, especialistas na área e associações discordam dessa alegação. O diretor executivo da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraid), Bruno Boldrin Bezerra, esclarece. “Não concordamos que as novas tecnologias sejam responsáveis por mais gastos na saúde, na verdade, ocorre o contrário de maneira comprovada. Na década de 1960, para fazer uma intervenção cirúrgica de uma ponte de safena, eram necessários dez dias de internação e de 50 a 60 dias de cuidados atentos para evitar complicações, e isso geraria hoje um custo de 2.956,00 reais só de internação. Mas com a evolução da tecnologia dos stents, o paciente fica apenas um dia internado e o custo total, já somando aí o produto, fica em 3.022,00 reais. Diante disso, é inegável afirmar que a tecnologia melhorou para o paciente e barateou custos para a área da saúde.”
Bezerra também aproveita para refutar outra alegação que as administradoras de planos e seguros de saúde costumam citar, ou seja, a de que dispositivos médicos e materiais especiais afetam drasticamente os custos. “A própria Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) afirmou que os gastos com esses dispositivos médicos e materiais especiais chegaram a 7,18% em 2018, do total que eles gastam, então como esse pequeno percentual pode ser um problema de custo para os hospitais?”.
Transparência e fiscalização de órgãos governamentais
Os altos custos com a saúde não são exclusividade dos Estados Unidos e do Brasil, em muitos países da América Latina e da Europa o problema se repete. A solução, segundo especialistas, é difícil, mas passaria por uma fiscalização governamental visando coibir abusos explícitos (como cobrar, aqui na América, US$ 23 mil dólares por um exame para saber se o paciente está com dengue, enquanto no Brasil o mesmo exame é gratuito), além de contratos mais transparentes para que todos pudessem ter certeza sobre o que está coberto. Como é pouco provável que isso ocorra a curto prazo, Quinan faz duas recomendações: que todos foquem na saúde preventiva, ou seja, não esperar ficar doente para se tratar, e que busquem um health advisor e uma consultoria de saúde para esclarecerem todas as dúvidas antes de escolher um tipo de seguro saúde.
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