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( votes)Ele é carioca, mas viveu por muitos anos fora do Brasil por conta da carreira do pai, diplomata. A oportunidade de morar em diferentes países proporcionou ao produtor musical e radialista Gene de Souza conviver com outras culturas e aprender novos idiomas. Ao mesmo tempo, os pais não queriam que ele e os irmãos perdessem o contato e o amor pelo Brasil. A música foi então a maneira com que Gene se aproximou do seu país de origem, sendo que a paixão pela MPB se reflete hoje na sólida carreira que construiu nos EUA. Radicado no país desde 1992, ele é produtor de eventos culturais e musicais, diretor de projetos especiais da Rhythm Foundation e desde 2002 produz e apresenta o programa Café Brasil na WDNA 88.9 FM, com sede em Miami. A Acontece Magazine bateu um papo com Gene de Souza, que conta sobre sua rica história com a música e o país que escolheu para viver.
Gene, como a música popular brasileira entrou na sua vida?
Gene de Souza: A música foi a maneira com que me conectei mais com o Brasil. Adorava ouvir os LPs de MPB dos meus pais e assim me apaixonei pela nossa música. Nos anos 90 em fui para University of Richmond, onde estudei relações internacionais e também fiz um programa de rádio na estação da universidade. Fazendo esse programa eu me aprofundei ainda mais na música e percebi como era uma maneira de juntar pessoas e comunicar ideias e culturas diferentes. Me mudei para Miami em 1997 e trabalhava com uma seguradora. Aos poucos, fui me envolvendo mais com a música e a produção de shows e acabei entrando de vez na carreira.
Quando você começou a trabalhar com produção de shows e eventos na FL?
Minha entrada no mundo da música e produção em Miami começou com a rádio WDNA 88,9 FM. Eu comecei como voluntário fazendo alguns programas de jazz e substituindo alguns apresentadores. Como tocava bastante música brasileira, naturalmente eu fiz uma proposta para a diretoria com a ideia do programa Café Brasil. Isso foi em 2002 e o programa continua até hoje, o único em rádio FM dedicado exclusivamente à música brasileira. Depois, comecei a fazer muitos contatos com artistas, gravadoras, festivais, agências e produtores de shows. Assim conheci a equipe da Rhythm Foundation e o trabalho maravilhoso que estavam fazendo. Eu me envolvi mais com o trabalho deles e acabei entrando na equipe.
Você tem um gosto especial pelo jazz e MPB. Você sempre gostou desses gêneros musicais?
Meu apreço pela MPB veio dos meus pais e, escutando Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa e muitos mais desde pequeno. Meu amor pelo jazz veio na faculdade, quando comecei a fazer rádio e quando amigos começaram a me mostrar suas coleções. Um outro mundo se abriu e comecei a estudar e saber quem eram Miles Davis, Herbie Hancock e os gigantes do jazz. Isso abriu totalmente a minha cabeça e comecei a gostar de muita coisa, explorar música clássica, jazz, música erudita, instrumental, música africana, indiana e muito mais. Mas a música brasileira continua minha maior paixão e, na minha opinião, a mais diversa do mundo. Temos cantores, compositores e músicos fenomenais em todos os estilos, uma fonte inesgotável.
E como aconteceu a sua história de trabalho e parceria com a Rhythm Foundation?
Estou com a Rhythm Foundation há mais de 15 anos e crescemos muito nesse período. Quando comecei fazíamos 7-8 shows por ano. Depois de alguns anos estávamos fazendo mais de 60 produções anuais. Eu entrei na parte de patrocínios e parcerias e com mais verba a gente conseguiu expandir o trabalho da fundação com vários contratos com prefeituras, verbas culturais e parcerias com universidades como a FIU. Sendo uma equipe pequena, eu sempre me envolvi em cada aspecto das produções, como contratação de artistas, marketing, logística etc. Isso me deu uma experiência fantástica em todos os aspectos de produção. Três anos atrás começamos a administrar o North Beach Bandshell para a prefeitura de Miami Beach. Uma concha acústica construída em 1961, o Bandshell é um espaço para shows e eventos único. Onde você poderia assistir a um show na beira da praia, cercado de palmeiras, brisa do mar, música boa e gente bacana? Estamos com uma programação intensa no Bandshell com muitos eventos gratuitos, shows internacionais, noites de dança e muito mais. A Rhythm Foundation faz algumas das produções, mas alugamos também para outras produtoras fazerem seus eventos.
Quais os projetos e shows da Rhythm Foundation já confirmados? Pode dar uma dica do que vem por aí?
Temos uma temporada muito bacana no North Beach Bandshell, sendo muitos shows gratuitos. Tem noites de dança, food trucks, música clássica e também grandes shows com artistas internacionais. Sobre os shows maiores da Rhythm Foundation, ainda estamos trabalhando na próxima temporada 2018/2019 e vamos anunciar alguns em breve. A próxima temporada será muito boa mesmo. Vai ter artistas da África, Espanha, América Latina e Brasil, claro.
Dentre os shows em que você já trabalhou em parceria com a RF, quais você destacaria como os mais marcantes?
Isso é como escolher um filho favorito! Mas pensando em todos os shows que já fizemos, tem alguns mais especiais, pelo calibre do artista e também pelo esforço necessário para realizar o show. Alguns deles, em nenhuma ordem específica, são: estreia de Maria Rita nos Estados Unidos, show “Sold Out” de Manu Chao no Bayfront Amphitheater, todos os shows com a Marisa Monte, o pianista cubano Bebo Valdez com a orquestra do Lincoln Center, três shows que fiz com o gênio da guitarra Paco de Lucía, a volta de Maria Bethânia a Miami após 22 anos, o uruguaio Jorge Drexler, um artista incrível, e quando fizemos Caetano e Gil juntos foi realmente muito emocionante.
Fale um pouco sobre o seu programa Café Brasil, na rádio 88.9 FM WDNA.
O Café Brasil é um projeto muito especial pra mim. Eu adoro entrar no carro todo domingo e ir para a rádio fazer o programa. No início eu percebi que o público americano e hispânico que escutava a rádio tinha um conhecimento muito limitado da nossa música. Eles conheciam Jobim, Caetano, Gil, Ivan Lins e alguns outros com projeção internacional. Então eu resolvi misturar a programação com esses artistas consagrados que todos adoram, mas também destacar artistas que não tiveram uma carreira fora do Brasil, como Chico Science, Zeca Baleiro, Fernanda Abreu, Titãs, O Rappa, Novos Baianos, Zeca Pagodinho e muitos mais. Também gosto de mostrar a enorme variedade que temos. Muitos conheciam apenas a MPB e a Bossa Nova, mas eu mostro também forró, música regional, axé, reggae, pop e jazz e música instrumental brasileira. Eu sempre recebo ligações e e-mails dos ouvintes querendo saber mais dos artistas e elogiando a variedade da programação. A maioria, uns 80% dos ouvintes são americanos e hispânicos e eu diria que uns 20% são brasileiros.
Além de trazer artistas brasileiros consagrados para fazer shows nos EUA, você também promove artistas brasileiros locais? Poderia citar alguns?
Sim, gosto muito de trabalhar com artistas locais. Isso foi acontecendo naturalmente, quando comecei o programa Café Brasil na 88.9 FM. As pessoas começaram a entrar em contato comigo pedindo música ao vivo para seus eventos. Recebo pedidos de museus, galerias, hotéis, restaurantes, bibliotecas, prefeituras, casamentos etc. Então eu resolvi abrir a minha própria empresa, Brazilianaire Music & Marketing, para fazer esse trabalho com artistas locais. Sempre trabalhei muito com a Rose Max e Ramatis Moraes, dois artistas extraordinários com um talento espetacular. Eles podem fazer Bossa Nova, uma banda de jazz, samba e até concertos com orquestra sinfônica. Outro talento fenomenal é o Paulo Gualano e a Bateria Unidos da Flórida. Ele é superprofissional e tem uma bateria nota 10, que sempre encanta o público. Trabalho também com o baixista Diogo Brown e o Batuke Samba Funk. Ele sempre junta músicos de primeira e tem um estilo único e divertido. Além desses tem muitos mais. Além de contratar artistas, a minha empresa também faz produção de shows, plano de mídia, tradução inglês/português e também vendo anúncios na rádio 88.9 FM WDNA.
Quais os critérios antes de escolher um artista brasileiro para tocar na Flórida?
Não existe um critério específico. Cada caso é um caso. Às vezes tem um artista que já está vindo em turnê e outras vezes nós procuramos o artista para algum evento ou festival. Em geral, o artista tem que ter um apelo para o público americano e hispânico da Flórida. Os brasileiros já vão conhecer o artista, então focamos em divulgar esse artista para o público em geral da Flórida, para que descubram mais da nossa música. Não me interessa produzir um show para um público 100% brasileiro. Fica mais legal quando todos se misturam para desfrutar do show, brasileiros, americanos, hispânicos etc.
Qual o perfil do público que atende aos shows brasileiros que vocês produzem?
O bom da música brasileira é que todos adoram. Sempre tivemos boa resposta para artistas do Brasil e da Espanha, duas culturas com uma aceitação mais universal. Nesses shows vemos pessoas de todas as nacionalidades, sejam latinos, americanos, europeus, caribenhos etc. Os estilos mais populares são os mais tradicionais mesmo, como a MPB, samba, Bossa Nova e também jazz e música instrumental.
Em 2018, comemoramos seis décadas de Bossa Nova. O que você acredita ser o grande segredo para esse gênero ser ainda tão atual e atemporal?
Sim, é sempre importante valorizar e comemorar a Bossa Nova. Infelizmente, esse estilo teve tanta repercussão no exterior, mas não é muito valorizado no Brasil. Os originais da geração dos anos 50 e 60 que continuam ativos, como Menescal, Lyra, Donato, têm pouco espaço na mídia e fazem mais shows no exterior que no Brasil. A Bossa Nova faz mais sucesso no Japão, Europa e Estados Unidos. O próprio Rio de Janeiro, onde tudo começou, não valoriza a Bossa Nova. Poderia haver mais shows, um museu, um teatro dedicado a esse estilo. Em Buenos Aires, por exemplo, eles realmente comemoram e valorizam o tango. Uma pena que no Rio não seja igual para a Bossa Nova.
Quais são os seus ídolos da Bossa Nova e quem hoje, da nova geração, representa o melhor da Bossa Nova no Brasil?
Sem dúvida, o maior ídolo da Bossa Nova é o João Gilberto. Ele inventou a forma de tocar o violão que estabeleceu o gênero. O estilo vocal sutil também foi marcante em uma época em que as cantoras e os cantores cantavam de maneira muito forte. Além dele, tem os clássicos de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Nara Leão, Carlos Lyra e Roberto Menescal, que foram os fundadores do movimento. Nos últimos anos, existem poucos artistas que continuam a gravar esse estilo, infelizmente. Minha artista favorita da Bossa Nova atual é a Rosa Passos. Ela mantém o estilo tradicional do João Gilberto e tem uma voz muito doce. Também tem o cantor e compositor Celso Fonseca, que gravou álbuns de Bossa Nova em sua carreira. É importante destacar o Bossacucanova, que tem levado a Bossa Nova a outros patamares, experimentando com batidas dançantes e arranjos modernos. A banda nasceu nos estúdios do Roberto Menescal e o baixista da banda é seu filho Márcio. Adoro a música deles.
Você tem uma carreira consolidada nos EUA. O que mais você gostaria de conquistar na sua profissão?
Nesse último ano eu formei uma parceria com a produtora Patrícia Leão, da Brazilian Nites em Los Angeles. Ela tem uma vasta experiência com produção de shows e turnês há mais de 20 anos. Muitos shows brasileiros que fazemos aqui, ela produz em Los Angeles. No ano passado, trabalhamos juntos na primeira turnê da Vanessa da Mata nos Estados Unidos. Ela fez shows incríveis em Nova York, Washington DC, Boston, Houston, Los Angeles e São Francisco. Ficamos muito felizes porque a turnê foi premiada com o Brazilian International Press Award como “Melhor Turnê” de 2017. Depois disso fizemos outra turnê com ela em abril desse ano em outras cidades, como Doral, Miami Beach, Orlando, Atlanta e Baton Rouge. A nossa missão é trazer mais artistas brasileiros para se apresentarem em casas de shows reconhecidas e grandes festivais nos Estados Unidos. A Vanessa, por exemplo, se apresentou no House of Blues, Faena Theater, B.B. King Blues Club, Berklee Theater e Teragram Ballroom. O Brasil tem uma riqueza musical enorme, mas relativamente poucos artistas fazem turnês de 6-10 cidades com ampla divulgação para o público brasileiro e americano. Eu e Patrícia vamos continuar trabalhando juntos e temos muitos projetos para 2019. Aguardem que vem coisa boa por aí!
Foto: Cris Ulla
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