Arte

Cenografia retrata a Corte e o Brasil da segunda metade do século XIX

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Com cenários e ambientes que retratam o Brasil da segunda metade do século XIX, ‘Nos Tempos do Imperador’, obra escrita e criada por Alessandro Marson e Thereza Falcão, e com direção artística de Vinícius Coimbra, que estreia no dia 9 de agosto, mantém alguns dos cenários utilizados na novela ‘Novo Mundo’, mas que sofreram as ações do tempo, como o Palácio da Quinta. O cenógrafo Paulo Renato, que também assinou a cenografia da primeira trama, exibida em 2017 e reprisada em 2020, é o responsável pelo trabalho da nova novela, ao lado de Paula Salles. Nesta nova empreitada, eles têm o desafio de ultrapassar as três décadas que separam as duas novelas. Para isso, criaram novos ambientes para retratar os avanços do Brasil.

Além de Paulo Renato e Paula, a dupla conta com nove assistentes de cenografia e, somente no trabalho de pesquisa, a equipe ficou cerca de um ano dedicada às referências da época. Além de livros, imagens e fotos de sites especializados, telas do pintor Thomas Ender serviram de inspiração para o trabalho estético, por ter viajado pelo Brasil a partir da chegada de Dom João VI, retratando o país em suas obras. “Neste período em que a novela se passa, era possível contar com a fotografia de 1860. Passamos meses esmiuçando fotos e aprofundando detalhes, que poderão ser vistos em pequenas pistas ou no fundo das cenas, o que enriquece a experiência do público”, conta Paulo.

Com uma área de 8,2 mil metros quadrados nos Estúdios Globo, a cidade cenográfica da novela vai reproduzir as regiões cariocas da Rua do Ouvidor, da Pequena África, interligada com o Cais do Valongo, além do Passeio Público e a orla, que foi urbanizada e passou a ser frequentada na época. A cidade foi separada em dois espaços muito distintos visualmente: o novo, urbanizado, comercial; e o da Pequena África, empobrecido, envelhecido, antigo e colonial. O primeiro é o que Dom Pedro II gostaria de traçar para o Brasil; o segundo, representa a realidade que vinha se perpetuando.

Na trama, a estrutura urbana é ladeada por calçadas ainda de pedra e caixa coletora do esgoto pluvial e doméstico. Nesse período, com o processo de modernização, há fornecimento de gás para a iluminação da cidade, ainda que restrito a alguns pontos, como o Passeio Público e a Rua do Ouvidor. “Temos representações, gravuras, que dão a entender que a cidade se pretendia mais europeia, mais chique, e menos medieval. Mas, ao mesmo tempo, era tudo precário, o esgoto chegou depois da luz a gás. Era uma cidade suja ainda”, ressalta Paulo.

A época é marcada pelo início das edificações grandes e, por isso, na Rua do Ouvidor há construções de três andares, com uso misto: comércio embaixo e residência em cima, com dimensão bem próxima do real e reprodução das imperfeições encontradas nas referências. “Às vezes, beiram à desarmonia, mas tentamos traduzir isso e trazer como o registro de uma época”, reforça o cenógrafo.

A Pequena África é o núcleo culturalmente rico. “Estamos fugindo da imagem simples do negro escravizado, porque a diversidade da cultura negra nesse período da cidade era imensa. Poetas, advogados, uma pequena parcela que frequentou faculdade e teve espaço na sociedade viviam na região. As pessoas que circulavam na rua tinham uma identidade cultural muito forte, com origens em diversos locais da África”, conta o cenógrafo. Na região, o cenário está caracterizado com uma pintura mais degradada, com pouca manutenção. As construções têm muitos cômodos para uso multifamiliar, semelhantes a algumas visitadas pela equipe, com lotes compridos e coloniais. Nos cenários do núcleo, haverá poucos utensílios, pois os moradores da região não tinham quase nada. No entanto, os detalhes da arte mostram a riqueza da cultura africana. “A ancestralidade vai estar nos objetos, no altar, na religião”, enumera a produtora de arte Flávia Cristófaro. Ela destaca como curiosidade deste núcleo o trabalho do artista plástico de Pernambuco Luis Benício, convidado para ser o ghost sculpture que desenvolveu as máscaras em madeira de Dom Olu (Rogério Brito).

A novela vai contar também com cenários grandiosos, que ocupam boa parte do estúdio, como o Palácio da Quinta, onde Dom Pedro II vivia com a família, que ganha uma nova roupagem. No Segundo Império há bastante alteração, e o palácio fica mais sóbrio, pois passou por reformas ao longo dos anos, desde quando Dom João VI o encontrou. “Atendemos à mesma estrutura familiar, em um processo de passagem de tempo. Estou levando a cabo a construção da mesma estrutura do cenário com outra interpretação, roupagem, forração, cortina e cor”, diz Paulo.

Na Quinta, há uma austeridade, como em ‘Novo Mundo’, mas dessa vez mais arrojada, pela seriedade e erudição de Dom Pedro II (Selton Mello), que achava um absurdo gastar dinheiro à toa. Nos utensílios de uso da família, predomina a prataria gasta. “Tudo que compro é sempre direcionado a mostrar a austeridade do Imperador. As peças em prata, por exemplo, não são limpas, para manterem um tom escurecido”, ressalta Flávia.

Dom Pedro II e Teresa Cristina tinham um acervo próprio dentro do palácio. Para reproduzir as peças, que até setembro de 2018 podiam ser vistas no Museu Nacional do Rio de Janeiro, que incendiou, foram realizadas pesquisas através de documentos da Biblioteca Nacional, onde estão as descrições do museu. Muitos objetos foram reproduzidos na fábrica de cenários dos Estúdios Globo. “Alugamos algumas peças, mas 70% do material foi produzido nos Estúdios”, conta Flávia.

A produtora de arte explica ainda que não houve alteração no número de itens do cenário, mas que a forma de gravar tem sido um pouco diferente em virtude da pandemia. “Seguimos todos os protocolos de segurança, mas sem perder a essência da nossa trama. Em cena, às vezes, alguns objetos como livros, cartas ou mapas passariam pelas mãos de vários personagens. Mantivemos essas cenas, mas mudamos a forma de gravá-las: fazemos com um personagem do elenco por vez e, a cada troca de mãos daquele item, fazemos todo o processo de higienização. Isso torna o processo mais demorado, claro, mas não perdemos em nada ao retratar o que queremos”, explica.

No cenário da Condessa de Barral (Mariana Ximenes), um palacete, a nobreza é misturada com simplicidade, para dar o ar de aproximação. “Ela recebe Pilar (Gabriela Medvedovski) e Samuel (Michel Gomes) em sua casa, sem preconceito, e isso a torna uma pessoa muito humana. Temos que conseguir mostrar luxo sem ostentação, refinamento e humanidade”, contextualiza Paulo. A personagem monta a decoração a partir da necessidade da mudança, com seus hábitos e gostos de nobreza clássica. Segundo a pesquisa feita pela equipe, a Condessa recebia semanalmente produtos importados europeus, como louça, prataria e móveis. O serviço na casa dela é à francesa e, por isso, há um cuidado maior com as peças e na forma de servir. Os objetos são sempre com dourado e têm os melhores acabamentos, com o design mais arrojado para a época.

Ao contrário da Condessa, Tonico (Alexandre Nero) é o personagem que tenta ostentar, mas não sabe usar peças caras e típicas da nobreza. “Ele é o corrupto, vem com o dinheiro de herança do pai, mas é um cara tardio, sempre tentando fazer manobras”, descreve o cenógrafo. Em sua casa, a produção de arte optou pelos metais rústicos, como o cobre e o estanho.

Rusticidade também é a marca do cenário da Taberna dos Porcos, que existia em ‘Novo Mundo’ e pontua também a passagem dos anos entre as duas novelas. Continuará sendo uma taberna muito antiga e em ruínas, por isso há muito reaproveitamento dos utensílios do cenário anterior.

Além dos cenários nos Estúdios Globo, a trama teve gravações, antes do início da pandemia, em locações externas na Chapada Diamantina, na Bahia, para as cenas das expedições de Dom Pedro II e Teresa Cristina, e em fazendas em Barra do Piraí e Rio de Flores, no Rio de Janeiro. Lá, em três fazendas grandiosas, foram gravadas cenas importantes dos núcleos das famílias de Luísa (Mariana Ximenes), Tonico (Alexandre Nero) e Pilar (Gabriela Medvedovski). Nas propriedades, originalmente produtoras de café, a cenografia fez pequenas interferências para retratar uma realidade do Nordeste, em uma época mais colonial. “Fizemos pequenas alterações em função dotechnicolor, tratamento que será usado na novela. Retiramos esquadrilhas modernas e alteramos alguns tons para ficar mais adequado. Pintamos paredes e fachadas para dar um toque de vivência. Foi um desafio e uma escolha muito acertada para a questão estética da obra”, conta Paulo. Nessas casas, há uma ausência da presença feminina, pois os personagens são viúvos, como é o caso dos coronéis Eudoro (José Dumont) e Ambrósio (Roberto Bomfim). Há muito dinheiro e pouco refinamento, o que será percebido nos detalhes como a louça, que mistura porcelana e barro, e a decoração simples dos cômodos.

A cultura da época no figurino sustentável e na caracterização realista

Com mais de 35 anos de carreira, cerca de 50 novelas na TV Globo, sendo 15 delas retratando o século XIX, Beth Filipecki assina o rico figurino de ‘Nos Tempos do Imperador’, com Renaldo Machado. Eles contam com uma equipe de cinco assistentes, além de costureiras, alfaiates e camareiros. Para Beth, mesmo depois de tantos anos, o século XIX é sempre um aprendizado, e a novela traz uma história de elegância e distinção.

Por se tratar de uma história fictícia, mas com alguns personagens reais, o compromisso do figurino é com a honestidade. Segundo ela, assim como a trama e as demais áreas de produção, a intenção é que, com base nas pesquisas e na história real, o público tenha a oportunidade de ver figurinos da época e conheça mais sobre os personagens. A produção das roupas é toda feita nos Estúdios Globo, sendo 70% do material oriundo do acervo, que passa por uma customização em função dos tons da novela. “Fizemos um reaproveitamento total do acervo, mas mexemos nesse original. Também estamos evitando produzir lixo. Tecemos os fios na medida, e estamos construímos um figurino sustentável”, destaca Beth. Outra curiosidade é que cada personagem feminina tem uma cor predominante nas roupas, de acordo com seu perfil.

Em parceria com o figurino, a caracterização da novela é conduzida por Lucila Robirosa, responsável por manter o tom épico e realista dos personagens. Uma atenção à essência de cada personagem foi fundamental para a composição do visual como um todo. No caso de Dom Pedro II (Selton Mello), fica claro que foi um homem que não priorizava a roupa ou o visual. A caracterização do personagem foi inspirada em fotos históricas e promete chamar a atenção do público. “Selton usa lentes azuis claras e terá momentos diferentes a cada passagem de tempo. Mais novo, estará com a sobrancelha marcada e barba castanha. Na fase seguinte, Selton quase não usa caracterizações. Após a Guerra do Paraguai, se perceberá um envelhecimento, com o cabelo branco e uma longa barba branca, que demora quatro horas para ser preparada”, detalha Lucila. Beth complementa: “Dom Pedro II tinha uma aparência mais austera, sem interesse na competição da moda, mas cultuava barbas, bigode, um símbolo de masculinidade. Fazia questão de ter um traje puído e conquistar seu lugar através do trabalho”.

Já a Imperatriz Teresa Cristina (Leticia Sabatella) segue o estilo comedido do Imperador, com vestidos em tom azul e diferentes perucas, que variam o penteado. A princesa Leopoldina (Melissa Nóbrega/Bruna Griphao) surge de lilás, e Isabel (Any Maia/Giulia Gayoso), de azul claro.

A Condessa de Barral (Mariana Ximenes), por sua vez, foi criada para que tivesse muita distinção, vivesse e soubesse se portar em qualquer lugar, assim como se vestir em diferentes ocasiões, sem exageros. Mariana Ximenes escureceu o cabelo para interpretá-la, usa lentes escuras e conta com cinco perucas diferentes, que mudam de acordo com os penteados. Os vestidos da Condessa são de seda pura, mais sofisticados, em tons predominantemente verdes. Através da pesquisa ampla feita pela equipe, seu figurino busca traduzir o empoderamento da mulher também nas roupas da época, o que é representado nos trajes da jovem Pilar (Gabriela Medvedovski), por exemplo. A personagem é mais despojada e não usa espartilhos. O amarelo é a cor escolhida para ela, em tecidos mais rústicos e com elementos masculinos, simbolizando sua luta por espaços que, na época, não eram das mulheres. “Ela representa a luz solar, a ideia da esperança, o que reproduz, a liberdade. É progressista, está com a cabeça voltada para ser a primeira médica do Brasil. Junto com a irmã Dolores (Daphne Bozaski) foi criada sem mãe e sem afeto, por isso construímos um figurino mais seco, sem bordados, enquanto estão na fazenda”, conta Beth.

Na época, as classes em ascensão procuravam imitar os padrões dos grupos mais elevados, o que poderá ser visto nos figurinos de personagens como Jorge/Samuel (Michel Gomes). No início da trama, ele é um homem escravizado, até ser ajudado pela Condessa de Barral (Mariana Ximenes), quando passa a usar as vestimentas de Eugênio (Thierry Tremouroux): camisa, calça, chapéu e sapato. Por isso, ao chegar à Corte, ele aparenta ser um proprietário rural e não um homem da cidade. Na sequência, após ser acolhido por Dom Olu (Rogério Brito), na região da Pequena África, vai usar roupas com elementos africanos. Neste núcleo, o conceito de liberdade passa por todos os personagens. Segundo a figurinista, o trançado do cabelo e nos tecidos representa a prisão. Quando as personagens se tornam livres, soltam as tranças, os nós e usam roupas mais soltas. “Temos a oportunidade de mexer nas roupas no corpo desses personagens para refletir seus níveis de liberdade”, detalha Beth.

Tonico (Alexandre Nero) é outro personagem cujo figurino passa por uma mudança, sempre retratando sua esquisitice. Quando está na fazenda, usa muitas peças em couro e outros materiais pesados, está sempre de botas. Quando chega à Corte e é eleito Deputado, começa a se preocupar mais com a aparência.

Essa mudança de visual com a chegada à cidade ganha ares cômicos na interpretação do casal João Batista (Ernani Moraes) e Lota (Paula Cohen). Recém-chegados do interior, compram tudo o que é novidade, mas têm de aprender a usar, sempre buscando seguir o exemplo da nobreza. Lota não está natural com suas roupas, parece usar uma armação. Batista passa por isso também. Não sabe ficar dentro das roupas e estranha. “Lota vai ter perucas e apliques diferentes. Era a época do cabelo dividido ao meio e os cachos. Ela usa roupas com recortes em andares, crinolina, armação de baixo, mas toda caracterização da Família Pindaíba representa o exagero”, completa Beth.

Outro núcleo divertido que chama a atenção pelo figurino e a caracterização é o dos personagens Licurgo (Guilherme Piva) e Germana (Vivianne Pasmanter), que dão continuidade ao sucesso de ‘Novo Mundo’ e herdam as roupas da produção anterior. “Eles estão mais velhos, enrugados, maltratados, mas continuam porcos, sujos. Representam o que resta, mas com muita energia. A gente manteve tudo o que trouxeram, mas com adaptações. No lugar da roupa de cima, agora Germana está de ceroula. Temos todo cuidado e carinho com esses dois personagens”, explica Beth. Vivianne Pasmanter usará uma peruca inteira e grisalha, diferente dos apliques da novela anterior. Além disso, terá manchas, pelos no rosto e verruga. Já Licurgo (Guilherme Piva) estará careca e com psoríase na cabeça. Ambos estarão quase sem dentes, com dentaduras. Com tantos efeitos, a dupla leva cerca de três horas para se caracterizar.

‘Nos Tempos do Imperador’ é criada e escrita por Alessandro Marson e Thereza Falcão, com Julio Fischer, Duba Elia, Wendell Bendelack e Lalo Homrich e tem direção artística de Vinícius Coimbra, direção geral de João Paulo Jabur e direção de Guto Arruda Botelho, Alexandre Macedo, Pablo Müller, Joana Antonaccio e Caio Campos. A direção de gênero é de José Luiz Villamarim e a novela estreia no canal internacional da Globo, em simulcast no Globoplay, no dia 09 de agosto de 2021.

Foto: Dom Pedro II ( Selton Mello ) e Luis Alves Lima e Silva ( Jackson Antunes )

Crédito: Globo/João Miguel Júnior

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