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A poesia das casas de Pablo Neruda no Chile

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por José Roberto Luchetti

O poeta chileno Pablo Neruda, uma referência em poesia para os apaixonados, deixou três casas que se transformaram em museus após a sua morte. Neruda tinha uma relação especial e igualmente poética com suas residências e interferia pessoalmente na arquitetura e na decoração dos imóveis. “Se nada nos salva da morte, pelo menos o amor nos salve da vida”, escreveu o poeta em uma de suas mais célebres frases.

A primeira residência visitada pela reportagem da Acontece foi La Chascona, que fica no bairro Bellavista, em Santiago. A casa recebeu esse nome em homenagem à Matilde Urrutia, então amante do poeta, que tinha longos cabelos ruivos e cacheados. A construção começou, em 1953, em um terreno à venda no morro de San Cristóban e por onde passava um córrego. “Ficamos enfeitiçados pelo barulho da água”, relatou Matilde Urrutia em suas memórias. O arquiteto catalão Germán Rodríguez Arias, amigo de Neruda, foi quem projetou a residência com face voltada para o sol e vista para a cidade. “Mas Neruda queria ver as montanhas e mudou a casa na planta. Esta não foi a única intervenção do poeta, que discutiu e modificou cada detalhe. Germán Rodríguez teve que admitir que a casa acabou sendo mais uma criação de Neruda”, relata o descritivo da Fundação Pablo Neruda (FPN) que gerencia o legado do poeta.

Dois anos depois, Neruda se separa da esposa, Delia del Carril e vai morar em La Chascona com Matilde. A partir daí o casal começa a ampliar o local com a construção de uma nova cozinha, salas, bar e biblioteca. Cada ambiente é projetado de forma não usual. Neruda tinha um quadro, uma janela e uma poltrona que gostava e pediu ao arquiteto que criasse um ambiente para esses três objetos. As fachadas de todas as casas seguem o mesmo padrão de não serem ostensivas e privilegiarem os ambientes internos. La Chascona tinha nas janelas as iniciais P e M, de Pablo e Matilde.

“Sinto o cansaço de Santiago. Quero encontrar uma casinha em Valparaíso para viver e escrever em paz”, foi assim que desejou o poeta e encontrou La Sebastiana, em 1959. “Era uma mansão, localizada em Florida Hill. Tinha sido construída pelo espanhol Sebastián Collado, que destinou todo o terceiro andar a um aviário. Sebastián morreu dez anos antes e a casa inacabada e cheia de escadas ficou anos abandonada”, descreve o informativo da FPN. O escritor dizia que tinha comprado escadas e terraços, mas o fato é que a vista é privilegiada para a baía de Valparaíso. Decorou a casa com escotilhas de navios e um dos terraços transformou em sala de jantar. Todos os ambientes tinham objetos e referências náuticas. Neruda amava o mar, mas não navegava. Se autodefinia como “capitão de terra firme”. O poeta gostava de ver a queima de fogos em Anos Novos na cidade e passou até o último réveillon de vida em La Sebastiana.

A terceira e última casa, talvez a que tenha mais poesia, é a de Isla Negra, e ficava em uma região ainda selvagem do litoral chileno, ao sul de Valparaíso e onde Neruda escreveu parte importante de sua obra literária. Ele comprou a residência de um marinheiro espanhol, Eladio Sobrino, mas que era apenas uma cabana dentro de um sítio em frente a um rochedo de pedras negras. O local inicialmente chamado de Las Gaviotas foi rebatizado pelo poeta. “A casa cresceu, como as pessoas, como as árvores…”, definiu Pablo Neruda. “Regressei de minhas viajens. Naveguei construindo a alegria”, escreveu inicialmente em giz, numa estrutura de madeira logo na entrada, e depois pediu para a frase ser talhada por um carpinteiro.

O poeta e arquiteto catalão Germán Rodríguez Arias fizeram uma série de ampliações, na década de 1940, todas lineares e com vista para o mar, como o mapa do Chile, “minha casa é estreita e comprida”, dizia Neruda. Novos cômodos foram idealizados e executados, em 1965, pelo arquiteto e amigo Sergio Soza, como um espaço em que o poeta se isolava para escrever. Pediu para colocarem um telhado de zinco para ouvir o canto da chuva e evocar, mais uma vez, as sensações da residência onde viveu quando criança, no chuvoso sul do Chile. A mesa em que escrevia era uma porta de um navio naufragado e que veio parar na praia de Isla Negra. “O Oceano Pacífico estava fora do mapa. Não havia onde colocá-lo. Era tão grande, bagunçado e azul que não cabia em lugar nenhum. É por isso que eles deixaram na frente da minha janela”, definiu Pablo Neruda sobre Isla Negra.

No local estão expostas as mais importantes coleções do poeta como de carrancas, réplicas de veleiros, navios em garrafas, conchas, dentes de baleias, máscaras, sapatos velhos e cachimbos. Existem até algumas garrafas com desenhos em areia colorida presenteadas pelo escritor brasileiro Jorge Amado, muito amigo do poeta.

Em 23 de setembro de 1973, após o golpe militar que derrubou Salvador Allende, Neruda morreu e La Chascona, em Santiago, foi objeto de atos de vandalismo, por conta do posicionamento de esquerda do poeta. Matilde Urrutia insistiu em fazer o velório na sala preferida de Neruda em uma noite bastante fria com os vidros quebrados pelos vândalos. A viúva se esforçou para reparar os estragos na casa e continuou morando por lá até sua morte em 1985.

“Camaradas, enterrem-me em Isla Negra, / em frente ao mar que eu conheço, em cada zona agreste de pedras / e ondas que meus olhos perdidos / nunca mais verão…”, escreveu em poema. E assim estão, ao lado de Matilde, os dois corpos enterrados de frente para a praia de pedras negras.

Neruda e o Brasil

Pablo Neruda foi uma figura fundamental da literatura mundial do século XX, especialmente na poesia. Ele nasceu no Chile em 1904 e, ao longo da vida, escreveu obras que se tornaram icônicas, como os livros “Canto Geral” e “Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”. Neruda explorou uma ampla gama de temas em sua obra, desde o amor até a política e a injustiça social, sempre com uma linguagem intensa e profunda.

Além de sua importância literária, Neruda também foi um homem ativo no cenário político e cultural do Chile e do mundo, tendo se envolvido em questões como a luta contra o fascismo na Europa e a defesa dos direitos dos povos indígenas da América Latina.

Neruda teve relações com importantes intelectuais brasileiros, como Vinicius de Moraes. Ambos eram diplomatas. A amizade resultou em uma colaboração literária significativa. Em 1969, os dois se encontraram no Rio de Janeiro para realizar uma série de leituras de poesia e lançamentos de livros. Neruda era também amigo de Jorge Amado, que conheceu em 1950, quando o escritor brasileiro visitou o Chile. Em 1954, Neruda publicou o poema “Canto a Stalingrado”, dedicado a Amado.

Em 1971, Pablo Neruda foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura. O Comitê do Nobel reconheceu Neruda por sua obra poética “que, com a ação de uma força elementar, retrata a condição humana e seus conflitos sociais”.

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