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( votes)Setembro é o mês da Independência do Brasil, nossa terra natal, aquela que nunca nos esqueceremos, pois foi onde vivemos muitos momentos marcantes e também é lá que estão muitas pessoas queridas e lugares especiais. Essa é uma época não só para ficarmos um pouco nostálgicos, mas também para refletirmos sobre um tema paradoxal: ao mesmo tempo em que sentimos tanta falta de nosso povo e de nossa cultura, muitos dos brasileiros que residem na América possuem um grande preconceito em fazer negócios ou mesmo estreitar laços de amizade com quem também veio de seu país.
Chegar a um novo país, com uma cultura tão diferente, é assustador e tudo se torna mais difícil quando seus próprios compatriotas não querem contato; não à toa, muitos brasileiros acabam voltando para o Brasil, pois se sentem desamparados e não conseguem se adaptar aqui.
Por causa de alguns poucos brasileiros que agem de má-fé, uma parte da própria comunidade brasileira desenvolveu um preconceito absurdo achando que fazer negócio com quem veio do Brasil é uma grande roubada. Óbvio que sempre devemos buscar referências antes, mas isso não é só no caso do brasileiro, mas de qualquer povo.
Felizmente, também há o outro lado, onde brasileiros procuram ajudar seus compatriotas. Aqui na Flórida existe uma boa estrutura social nesse sentido. Além do consulado, que pode ajudar na chegada, existem associações de negócios, eventos sociais, grupos religiosos, esportivos, de mães, empresários, jornais e revistas brasileiras com dicas de eventos, de produtos e serviços, que auxiliam na comunicação e na familiarização do imigrante. Há também uma infinidade de agentes facilitadores que podem, ou pelo menos tentam transformar a adaptação dos brasileiros em algo muito mais prazeroso. Quem chega ao país pode contar com esta rede de apoio.
Apesar de todas essas iniciativas, ainda há um bom caminho a ser percorrido para que a nossa comunidade brasileira se veja livre do preconceito contra os seus próprios compatriotas e estreite ainda mais ações de amizade e negócios. Para abordarmos mais sobre esse complexo assunto, entrevistamos cinco nomes importantes da comunidade brasileira na Flórida.
Uma frase tola e odiosa
Uma das frases mais tolas e carregadas de ódio que podemos ouvir dentro das comunidades brasileiras residentes nos Estados Unidos é: “Não faça negócios com brasileiros”. Além de uma generalização cruel, de quebra, faz com que os propagadores desse absurdo acabem se tornando vítimas da própria ignorância, sim, porque a pessoa pode até achar que por estar há dez, vinte anos na América se tornou um “norte-americano 100% nativo”, mas para as outras comunidades, incluindo aí a dos verdadeiros norte-americanos nativos, essa pessoa foi, é e sempre será brasileira, logo, se for levar em conta o que está espalhando, ela também não é confiável e deve ser apartada.
Por outro lado, existem instituições compostas por brasileiros que trabalham pela união da comunidade, defendendo cada vez mais os laços entre os que vieram do Brasil para cá. O fundador do Recomendo Business Network, Alexandre Damiani, cuja principal missão é unir empreendedores brasileiros nos EUA e mostrar o poder desta ação, gerando serviços de qualidade e negócios para todos, comenta sobre o que pensa a respeito do preconceito entre brasileiros que residem na América. “A frase não faça negócios com brasileiros, foi o que me motivou em 2016 a abrir o Recomendo, até porque quando mudei para os EUA não falava nada de inglês e teria de fazer negócios com brasileiros. Mudei-me em 2014 e de tanto ouvir isso e de querer mudar nossa imagem perante as outras comunidades, nasceu o Recomendo e criamos a frase: Faça negócios com brasileiros. Podemos sim e já começamos dentro do Recomendo há mais de seis anos a virar esta chave. Temos de ter orgulho de nossa nacionalidade. Não podemos viver falando mal de nosso país e de nossa gente. Não somos perfeitos, mas somos um povo e um país maravilhoso. Não gosto das atitudes dos que construíram sua vida no Brasil e vivem cinco ou dez anos nos EUA, e só falam mal de seu passado. Nunca se esqueçam que vocês são brasileiros e foi lá que tudo começou”.
A empresária Julia Queiroz Primo da Confraria do Bem (entidade que arrecada fundos para serem doados a instituições de caridade e/ou a projetos sociais, além de compartilharem eventos sociais e empresariais para que cada vez mais brasileiros se ajudem) comenta sobre a importância dos integrantes da comunidade brasileira se conhecerem melhor e se ajudarem. “Na minha concepção, para nos ajudarmos, temos que nos conhecer cada vez melhor, interagir, nos referir, dar sempre preferência em contratar serviços dentro da nossa comunidade e receber de braços abertos todos aqueles brasileiros recém-chegados, para que possam se sentir acolhidos e se integrarem na nova comunidade”.
Paola Tucunduva, líder do Grupo Mulheres do Brasil Sul da Flórida (que foi criado em 2013 por 40 mulheres de diferentes segmentos sociais com o objetivo de defender a construção de um país melhor para todas, mobilizando a sociedade civil na conquista de melhorias e que atualmente soma mais de 106 mil mulheres cadastradas no Brasil e exterior), comenta sobre a expressão nefasta “Nunca faça negócios com brasileiros” e acredita que o preconceito está acabando. “A primeira coisa é nunca repetir essa frase, eu particularmente nem penso nela! Há mais de três anos, nosso grupo vem unindo muitas brasileiras que querem contribuir com a nossa comunidade e nunca me deparei com nenhum brasileiro que fale ou pratique isso, portanto sinto que já viramos esse jogo”.
Brasileiro ajudando brasileiro
Defender o brasileiro do estigma de desonesto, trambiqueiro etc., não significa dizer que todos que aqui estão são confiáveis, mas se pararmos para pensar, existe 100% de certeza que alguém é correto baseando-se apenas em sua nacionalidade? Quantas vezes não vemos notícias de americanos nativos que deram um golpe em alguém de seu país ou mesmo em imigrantes, ou ainda, pessoas de diferentes nacionalidades que vêm para cá e acabam fazendo algo errado? Temos que separar os poucos ruins dos muitos bons e por isso o networking além das relações pessoais ajudam bastante.
Marcelo Goulart, cofundador e CEO do Experience Club US (que existe há 16 anos no Brasil com mais de 600 membros/empresas e que em 2021 foi lançado em Miami), comenta sobre o que pensa em relação aos brasileiros que residem aqui se ajudarem. “Acredito que no passado isso não ocorria, mas noto que recentemente tem mudado”.
O empreendedor Wagner Pontes, que há um ano preside o LIDE Miami (uma non profit organization, com foco na geração de networking entre empresários, empreendedores e investidores, a fim de fomentar a geração de negócios entre os filiados), também comenta sobre os brasileiros que residem aqui se ajudarem. “Existe uma boa parcela da comunidade que é muito pró aos seus compatriotas e, é essa parcela da comunidade que procuramos desenvolver através do trabalho do LIDE Miami. Apesar de apenas um ano de atuação aqui no sul da Flórida, podemos dizer que temos colhido excelentes frutos desse trabalho”.
Exaltar as nossas qualidades
Não é de hoje que o brasileiro enxerga seu povo como abaixo de outros e não confiável, e isso muito tem a ver com expressões infelizes que foram ditas, às vezes, há mais de um século, mas que se perpetuaram no imaginário da nossa população. O conde francês Arthur de Gobineau quando desembarcou no Rio de Janeiro, em 1845, usou termos racistas para dizer que os brasileiros eram inferiores. No século seguinte, nomes como Oliveira Viana, Nina Rodrigues, Monteiro Lobato, Nelson Rodrigues, dentre outros, ajudaram a perpetuar que somos piores, incapazes etc. que outros povos.
Enxergar o quão ridículo tudo isso é, acaba sendo o primeiro passo para entendermos que assim como em todas as nações e culturas existem exemplos bons e ruins, há brasileiros de má índole, mas há muitos outros com qualidades que precisam ser exaltadas.
Damiani opina sobre o assunto e mostra que também podemos aprender com outros povos. “O brasileiro para mim é o mais criativo, o mais resiliente e o mais dedicado entre os trabalhadores nos Estados Unidos. Temos de aprender a seguir mais regras e ter mais processos, como os americanos fazem; aprender com os mexicanos que não existe um trabalho vergonhoso; aprender com os colombianos a sermos mais unidos e esses povos também têm muito a aprender com a gente”.
Goulart também ressalta as qualidades do brasileiro que reside na América. “Trabalhador, persistente, comunicativo, criativo, alegre e empreendedor”.
Fortalecendo nossa comunidade
Através das diferentes ações feitas pelos grupos representados pelos convidados para esta matéria, os laços de negócios e amizades entre brasileiros que residem aqui na Flórida ficam mais fortalecidos, mas podemos fazer cada vez mais, indicando e recebendo indicações de outros brasileiros que conhecem alguém que veio do nosso país e está oferecendo produtos ou serviços de qualidade.
Damiani nos dá um exemplo pessoal que deveria servir de norte para todos da nossa comunidade. “Nos anos em que vivi nos EUA, ia sempre a padarias, mercados, igrejas brasileiras e todos os negócios que abriam sob o comando de brasileiros, eu visitava. Os americanos protegem a sua comunidade, por que não devemos fazer o mesmo? Não deixava de ir em lugares americanos que amava, mas o dia a dia, era sempre em lugares de brasileiros. Se vou gastar meu dinheiro será com pessoas que gosto, admiro e respeito”.
Julia também comenta sobre o tema. “Todas as comunidades que se unem, seja pela crença/religião, pelo país de origem, pelo mercado de atuação, pelos hobbies etc., colhe frutos juntos. Ajudar a nossa é um dever, pois se não fizermos isso, ficaremos para trás de todos aqueles que se unem e se ajudam com este conceito de comunidade”.
Paola aborda o tema, ressaltando a necessidade de que para atrair e manter o cliente compatriota, o que for oferecido, precisa ser de qualidade. “Acredito que o primeiro passo é ter um produto ou serviço de qualidade, quando é bom, o boca a boca se espalha rapidamente e a empresa cresce. Caso você consuma algum produto ou serviço de brasileiro que não te agrade, procure dar o feedback direto para pessoa ou empresa, e quando gostar, indique para seus amigos e nas suas redes sociais”.
Pontes tem uma opinião semelhante a de Paola na questão da importância de oferecer produtos e serviços de qualidade. “Primeiro, acho que deve partir de nós brasileiros um maior investimento na qualidade de nossos produtos e serviços, além da nossa capacitação profissional. Com um produto/serviço bem desenvolvido e pautado sempre pela qualidade e excelência, além de uma boa capacitação, o estímulo e a valorização vem por consequência. Hoje em dia, o mercado está absurdamente conectado pelas mídias sociais, e por isso, um bom produto/serviço pode ser facilmente proliferado na internet se adotada as estratégias corretas”.
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