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Por que o futebol feminino ainda é estranho para muitas pessoas?

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Por Jan Luiz Leonardi

Mesmo com as conquistas, principalmente as individuais, como as da jogadora Marta, e com várias atletas atuando na Europa, o que poderia demonstrar um reconhecimento mundial, o futebol feminino ainda causa estranheza em muitas pessoas, e isso não é só no Brasil. Pesquisa realizada no Reino Unido, mostra uma atitude misógina de 68% dos homens em relação ao esporte, quando praticado por mulheres. 

A meu ver, isso ocorre por cinco fatores principais:

  1. Percepção cultural: o futebol é visto como um “esporte masculino” e historicamente foi dominado pelos homens.
  2. Sexismo: infelizmente, o preconceito de gênero ainda é muito presente em nossa sociedade. Assim, as pessoas (geralmente homens) podem presumir que as mulheres são inerentemente menos capazes fisicamente e menos capazes de jogar futebol em um alto nível. Além disso, as pessoas podem ter crenças sobre o tipo de comportamento que é “apropriado ou não” para as mulheres. Portanto, o futebol, por ser um esporte que envolve contato físico agressivo, acaba sendo visto como “coisa de homem”.
  3. Desigualdade de investimento: o futebol feminino recebe menos investimento do que o masculino, o que pode causar a impressão de que o futebol feminino é de menor qualidade ou menos importante.  Os salários e condições de trabalho têm sido muito melhores no futebol masculino do que no feminino. Há mais patrocinadores interessados no futebol masculino do que no feminino.
  4. Falta de visibilidade: ainda recebe muito menos atenção da mídia do que o futebol masculino. Isso inclui não apenas a transmissão de jogos, mas também a cobertura de notícias e histórias de jogadoras. Isso pode levar a um ciclo vicioso: a mídia pode justificar sua falta de cobertura, alegando que não há interesse suficiente no futebol feminino, mas sem cobertura da mídia, o esporte tem dificuldade em atrair novos fãs e jogadoras.
  5. História mais curta: o futebol feminino tem uma história muito mais curta do que o masculino. Por exemplo, a primeira Copa do Mundo de futebol masculino foi realizada em 1930, enquanto que a primeira Copa do Mundo de futebol feminino foi realizada mais de 60 anos depois, em 1991.

A crítica a Renata Silveira, a primeira mulher a narrar jogos de futebol da Copa no Brasil, certamente é atravessada por sexismo. Como mencionei anteriormente, o futebol é historicamente dominado por homens, as mulheres que desafiam esse status quo – seja jogando, treinando, comentando ou narrando – ainda enfrentam muita resistência. 

É importante notar que esses fatores estão mudando e o futebol feminino está se tornando cada vez mais normalizado e respeitado. As conquistas, como as da meia-atacante Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo, juntamente com um maior investimento e cobertura da mídia, estão ajudando a mudar as percepções sobre o esporte. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a paridade total com o futebol masculino.

Além disso, um fenômeno estudado pela psicologia é o viés de confirmação, que é a nossa tendência de interpretar informações de forma que confirmem as nossas crenças pré-existentes. Portanto, aqueles que já acreditam que as mulheres não deveriam narrar jogos de futebol podem interpretar a narração de Silveira de uma maneira negativa, independentemente de seu desempenho real.

A psicologia nos ensina que sempre há um elemento de estranheza com aquilo que é novidade, com o desconhecido. As pessoas estão muito mais acostumadas a ver homens jogando futebol e a ouvir vozes masculinas narrando os jogos. Ver uma mulher jogando ou narrando futebol imediatamente é percebido como algo esquisito. 

Felizmente, a psicologia também nos dá a solução: a familiaridade surge da exposição. Com o passar do tempo, começamos a normalizar as coisas que experienciamos regularmente. As coisas que são constantes e duradouras em nossa cultura tendem a se tornar os padrões que aceitamos.  

O futebol masculino tem uma presença constante na cultura, certo? Isso gerou uma familiaridade que torna o futebol masculino um “padrão”, aquilo que é o “normal” para muitas pessoas. Portanto, quando as mulheres entram em campo – literalmente – ocorre um desvio desse “padrão”. Inicialmente, isso causa estranheza, resistência e desconforto. Depois, à medida que as pessoas vão sendo cada vez mais expostas à participação das mulheres no futebol, um novo padrão é construído – o de que o futebol feminino é tão emocionante quanto o masculino.

Jan Luiz Leonardi é psicólogo, formado em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech, dos EUA, com mestrado em Psicologia Experimental pela PUC-SP e doutorado em Psicologia Clínica pela USP. É coordenador do Clube de Excelência em Psicologia Baseada em Evidências.

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