A espiritualidade é um recurso de alívio para quem convive com o sofrimento, impactando positivamente na qualidade de vida. Crédito: AdobeStock
Vida e Saúde

A espiritualidade nos consultórios

Karla Carbonari é psiquiatra em formação e integrante do Grupo de Cuidados Paliativos da SOCESP. Suzana Avezum é psicóloga e psicanalista, diretora executiva do Departamento de Psicologia da SOCESP.
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“Convido você para uma conexão genuína com sua essência, uma viagem rumo à sua espiritualidade. Olhar generosamente para suas dores e mágoas e perdoar a si mesmo e aqueles que de alguma forma lhe causaram sofrimento.” Há cerca de quatro décadas, o convite acima provavelmente seria proferido por um padre, um pastor, um esotérico ou um psicólogo. Atualmente, porém, tal orientação pode muito bem ser oferecida em uma consulta de um cardiologista ou ainda por profissionais que atuem na área de cuidados paliativos.

Até o início da década de 1970, trabalhos sobre espiritualidade ficavam restritos às ciências humanas e às religiões, sem muito espaço na prática da clínica médica. Porém, cada vez mais, os especialistas entendem a relevância da espiritualidade para o acompanhamento de pacientes com cardiopatias, estejam eles em tratamento ou fora das possibilidades terapêuticas de cura, já em fase de cuidados paliativos.

Mas o que é espiritualidade? Em primeiro lugar, é necessário distinguir espiritualidade de religiosidade. Espiritualidade é a forma como se busca ou expressa o sentido da vida, a conectividade consigo, com os outros e com o ambiente e ela independe de o sujeito ter ou não uma religião. Já religiosidade sim, está ligada à uma doutrina.

De acordo com o Departamento de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o conceito de espiritualidade é mais amplo e envolve um conjunto de valores morais, mentais e emocionais que norteiam pensamentos, comportamentos e atitudes. A separação entre espiritualidade e religião é uma das mudanças sociológicas do nosso tempo. As instituições religiosas por muitos anos mantiveram hegemonia sobre o cuidado com a espiritualidade, entretanto estamos atravessando uma grande mudança nas modalidades de cuidado, ampliando e ressignificando este olhar sobre a pessoa, nos alinhando a uma nova realidade.

Foi em 2019 que, pela primeira vez, uma Diretriz de Prevenção Cardiovascular destacou os benefícios da espiritualidade para a saúde do coração. De acordo com o documento, pessoas que cuidam de sua espiritualidade estão menos vulneráveis diante do estresse, depressão e ansiedade e mais dispostas a praticar exercícios físicos e manter pressão arterial e colesterol em níveis aceitáveis.

O tema é tão relevante e atual que o Grupo de Estudos de Cuidados Paliativos da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – fez uma publicação onde revisou dez estudos internacionais, identificando de que forma a espiritualidade é integrada aos cuidados dos pacientes com cardiopatias avançadas. Em 60% deles, a espiritualidade é mencionada como recurso de alívio para quem convive com o sofrimento, impactando positivamente na qualidade de vida. Os achados foram apresentados e debatidos por cardiologistas e profissionais de saúde no 42º Congresso da SOCESP, realizado em meados de junho, em São Paulo.

A conexão do paciente com sua espiritualidade pode trazer alívio dos sintomas e garantia de um espaço para produção de mudanças, buscando um novo sentido para as limitações que o adoecimento impõe, compreendendo a realidade somática, psíquica, social e espiritual de cada um. É preciso oferecer atenção que acolha o sofrimento a partir da singularidade. Cada sujeito precisa ser visto como único e o trabalho deve estar focado em restaurar vínculos entre sua essência e o sagrado de sua existência.

Quando o paciente se encontra em cuidados paliativos, de frente com sua finitude, uma escuta atenta e acolhedora pode potencializar recursos internos do próprio paciente, conferindo-lhe alívio e serenidade. Além disso, a busca por reconciliações, por uma reconexão possível com pessoas que ficaram pelo caminho e o próprio ato de perdoar traz a sensação de paz e bem-estar espiritual.

Perdão

Uma das raízes da espiritualidade é a capacidade de perdoar. E os benefícios do perdão para a saúde cardiovascular foram motivando um número cada vez maior de estudos científicos. Foi o caso do estudo observacional brasileiro Avaliação da disposição para o perdão em pacientes com infarto agudo do miocárdio, cujos resultados sugerem que o ímpeto de perdoar pode ser um fator protetivo para doenças cardiovasculares.

A pesquisa dividiu os participantes em dois grupos com praticamente o mesmo número de integrantes, sob os critérios “infartados” e “não infartados”. Entre outras conclusões, aqueles que haviam sofrido um infarto agudo do miocárdio (IAM) apresentaram menor disposição para o perdão, além de terem a espiritualidade menos desenvolvida e uma vivência de religiosidade negativa.

A explicação para os males do “não perdão” pode estar no estresse gerado por quem se sente injustiçado em determinada situação, por exemplo. Isso porque o organismo está preparado para agir defensivamente, com respostas químicas, em condições de perigo ou diante da sensação de estar acuado em uma circunstância específica. Quando esse estado de alerta é constante, as respostas bioquímicas produzidas agridem o corpo, deixando-o mais propício às doenças, como as Doenças Cardiovasculares (DCVs).

DCVs: principal causa de morte

Hoje já se admite que fatores psicossociais são a terceira causa – depois do tabagismo e da dislipidemia – no ranking de risco para as DCVs. A busca por novos padrões que levem o indivíduo a infartar é vital porque estamos falando da principal causa de morte e incapacitação das pessoas no mundo. Entender como os aspectos psicossociais podem influenciar na ocorrência de DCVs contribui para abrir novos caminhos de promoção da saúde, prevenção de doenças e modalidades de cuidado, almejando uma vida com mais qualidade, plenitude, felicidade e coração leve.

Independente dos caminhos que utilizamos para fortalecer a conexão das pessoas com sua espiritualidade, tal evento busca proporcionar maior consciência de sua trajetória de vida e possibilidades de transformação do sofrimento que o adoecimento proporciona, resgatando a potência única de cada sujeito com sua história.

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