José Roberto Luchetti

A alma da MPB e bossa nova repousa num coração uruguaio

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por José Roberto Luchetti

Fernando Torrado Parra, que tem o programa Café Torrado na rádio Monte Carlo, em Montevidéu, cantou no lendário Bar Tabaré que fica no bairro Punta Carretas. Ao entoar “Na tonga da mironga do kabuletê” de Vinicius de Moraes, pediu coro à plateia para ajustar o canto coral dizendo que era “mironga” e não “milonga”, gênero musical folclórico rio-platense e bastante popular no Uruguai e na Argentina.

“Eu conheci um soldado uruguaio que esteve no Congo e quando eu cantei essa música em um show, ele chegou até mim e disse que havia aprendido um dialeto nagô e sabia exatamente o que significava ‘Na tonga da mironga do kabuletê’. Volte por onde vieste. É a forma mais sútil para dizer a alguém que se vá!”, conta durante o intervalo da apresentação no Tabaré.

O show de Fernando Torrado traz um sentimento coletivo de alegria, de felicidade em cantar, que era muito típico nas apresentações de Vinicius de Moraes. Todos cantarolavam junto com o artista. E foi assim no Nómade Parador, outro local que o também se apresentou. “Eu me sinto privilegiado por ser escolhido para cantar essas canções. E não sou do tipo que quero cantar somente as minhas composições. Meu trabalho me faz feliz e gosto de ver as pessoas se divertindo”, resume o cantor que também é compositor.  

Ele abre o espetáculo com voz, violão, um cajón e Samba da Benção. Declama e canta, ao estilo do poetinha e apresenta o ‘Vininha’ como o próprio se autodefinia: “poeta e diplomata, aqui em nosso país, e filho na linha direta de Xangô. Saravá!” E a plateia responde com “Saravá”! “Eu toquei essa canção com o próprio Vinicius (ele ri). Ele cantando e eu na bateria, que nem sabia direito, no Vitral Piano Bar, em Montevidéu, com muito whisky, no verão de 1977, com Jaime Trobo, meu grande amigo”, relembra. “Eu tomei três doses e o Vinicius bebeu o resto da garrafa de um Grant´s. Varamos a madrugada cantando”, completa. Fernando Torrado conta essa e outras histórias num outro show que apresenta: “Homenagem a Vininha, velho, saravá”. “Vinicius é mestre, meu guia. Eu sigo apreendendo com ele, desde que não está mais por aqui. Ele tinha muito humor, fazia todos rirem a sua volta. Era incrível. Vivia com o que pensava e sentia. Não conseguia ser outro”, resume sobre o poeta e cantor que foi padrinho do próprio Torrado Parra e o seu grupo Oshara em janeiro de 1977. “Foi no bar Calderon, no edifício Rambla, na Península, em Punta del Este e Vinicius estava na plateia nos prestigiando.

A ligação de Fernando Torrado com Vinicius é tão grande que em dedicatória, em 2011, o artista plástico Carlos Vilaró se referiu ao cantor uruguaio como “Fernando Moraes”. A Casapueblo, em Punta Ballena, onde Vilaró residia foi imortalizada na canção “A Casa” do poetinha, afinal “era feita com muito esmero”.

Jorge Drexler

Fernando Torrado também tem grande ligação com o uruguaio Jorge Drexler, outro apaixonado por bossa-nova e MPB e, atualmente, o grande representante da música uruguaia. “O primeiro trabalho de Jorge, ainda um guri, foi em Clave Fu, um bar que tive em Montevidéu por 13 anos, com o amigo e investidor Wellington Ponce de Leon. Por lá passaram grandes artistas, como João Bosco, Paco de Lucía, Toquinho, Alcione, Leny Andrade, Joana e até a banda inglesa UB40. Na véspera de ganhar o Óscar, estava com Drexler ao vivo na rádio Monte Carlo e disse que ele iria levar o prêmio. Jorge respondeu que já estava feliz só com a indicação e não acreditava em vencer”, conta. Jorge Drexler levou o Óscar e Fernando Torrado lembra, com indignação, que não deixaram Drexler cantar a própria canção e que coube a Antônio Bandeiras a interpretação. “Depois ele até se desculpou publicamente”.

Eduardo Galeano

Além de cantor e compositor, Fernando Torrado é radialista e tem o programa com audiência qualificada e expressiva, uruguaios que, assim como ele, amam a música brasileira, como o escritor Eduardo Galeano, que era ouvinte assíduo. Fernando Torrado conta que, em 1978, estreou “Color Café”, na rádio Mundo, onde reproduzia canções da MPB e bossa nova. Com o sucesso, ganhou novo programa, “A Buen Puerto” com músicas uruguaias, latino-americanas de todos os cantos, jazz, música africana e muita poesia, além de entrevistas. Nos anos 2000, os dois programas se uniram e nasceu o “Café Torrado”, já na rádio El Espectador e, atualmente, na rádio Monte Carlo.

Compositor

Fernando Torrado é um apaixonado por bossa nova, samba, mas também bolero e candombe, ritmo tipicamente uruguaio. Ele compõe canções em todos esses estilos, numa fusão que chama “samdombe candamba”. “Guerrero” é um exemplo claro dessa fusão, com marcas uruguaias caracteríscas (do compositor), assim como, “La selva… esa luz”, em parceria com Ricardo Laquan, que foi gravada pela banda Opa com Maria de Fátima, ambos uruguaios, pelo argentino Litto Nebbia e até por uma cantora no Japão, Mío Matsuda. Mas também tem as bossas-novas em espanhol como “Color Café” e “Propongo Tiempo”. Além do “milongón” “Romance de 25 de agosto”, poema de Serafim Rota Garcia que musicou, como um hino da Independência do Uruguai, e “Virou Navio”, gravada por Geraldo Azevedo, em 1996.

O “carioca” nascido em Montevidéu foi hipnotizado pela música brasileira aos 3 anos de idade. “Só dormia quando minha mãe colocava ‘Kalu’ com Dalva de Oliveira para tocar”, conta. Aos 14 anos ganhou um disco de João Gilberto, Tom Jobim e Walter Vanderley “e acabou-se aí, não pude escutar outra coisa. Fiquei enamorado, mesmo não sabendo nada de português. No começo eu apenas imitava a fonética e cantarolava. O panderista brasileiro, Léo Costa, pai da nossa companheira de Oshara Leda Dufau, foi quem sugeriu que eu aprendesse português para melhorar a minha interpretação e passei a estudar as canções com dedicação”. A paixão pela MPB e bossa nova, Fernando Torrado divide com a capital uruguaia. “Muita gente me diz, cantando o que você canta, compondo o que você compõe, por que não vai para o mundo? Porque não é o mesmo. Eu não sinto estando fora o que sinto aqui em Montevidéu. A música transcende. O amor corresponde e sustenta. É o plasma que alimenta a música. Porém há dois lugares onde eu viveria: Nova York e Rio de Janeiro. Montevidéu é uma mulher linda que custa a entregar-se, mais quando se entrega ela se torna insubstituível”, finaliza.

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