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( votes)Após 20 anos, o artista volta para uma longa turnê nos EUA e Canadá Após 20 anos, o artista volta para uma longa turnê nos EUA e Canadá
Ícone da música popular brasileira, Alceu Valença se apresenta em Miami Beach, no domingo, dia 28 de julho, às 8 PM. Reconhecido internacionalmente como um dos mais influentes artistas da MPB, ele volta aos EUA após 20 anos para uma longa turnê, presenteando os fãs brasileiros na Flórida com grandes sucessos dos seus 40 anos de carreira. Uma trajetória que lhe rendeu 35 álbuns, mais de cinco milhões de discos vendidos e quatro indicações ao Grammy Latino. Confira a entrevista exclusiva do cantor para a Acontece Magazine.
De volta aos palcos americanos após 20 anos para uma longa turnê pelos EUA e Canadá. Como está sua expectativa?
A expectativa é a melhor possível. Cantei em Miami nos anos 90 e fico muito feliz em retornar à Flórida, onde vivem tantos brasileiros e existe um mercado latino para a música bastante consolidado. Além de Miami e Orlando, iremos também a Boston, ao Summerstage em Nova York, a Los Angeles, San Francisco e Toronto, no Canadá. Costumo dizer que o palco pra mim é vitamina e me sinto em casa em qualquer palco, em qualquer lugar do mundo. Mas a alegria de cantar para um público brasileiro que vive no exterior, e também para americanos e imigrantes de origem latina, tem sempre um sabor especial.
O que os seus fãs podem esperar desse show? Vamos ter muito forró, baião, xote, frevo, grandes sucessos?
Claro, o show inclui meus grandes sucessos, como Tropicana, Anunciação, Belle de Jour, Coração Bobo, Táxi Lunar, Girassol e tantas outras. Venho do agreste de Pernambuco, uma região muito próxima da de Luiz Gonzaga, e absorvi na fonte os diversos gêneros formatados por ele para criar o forró e o baião, como o xote, o coco, a toada, a embolada… Também canto músicas do repertório de Luiz, entre elas, Baião, Vem Morena, Sabiá, Juazeiro… Este ano celebramos o centenário do grande Jackson do Pandeiro. Em sua homenagem interpreto O Canto da Ema e Papagaio do Futuro, esta de minha autoria, que defendi ao lado de Jackson e Geraldo Azevedo no Festival Internacional da Canção, no comecinho da minha carreira.
Você vai cantar para um público de fãs brasileiros, mas também para os hispânicos e americanos que apreciam a música brasileira. Como explicar para esse público, a rica mistura de ritmos do nordeste? O famoso “rock que não é rock”?
Rock que não é rock foi a definição feita por um crítico do New York Times depois de um show que realizei nos EUA na década de 90. Eu considero uma ótima definição, porque tudo é uma questão de timbre e intensidade. Minha música descende diretamente dos cantadores, emboladores, violeiros, dos poetas versejadores que conheci nas feiras da minha infância passada no Brasil profundo. E essa música possui uma influência árabe, mourisca, ibérica, lusitana. Vejo um paralelo claro entre as cantigas de adjunto desenvolvidas nos campos de algodão do Nordeste, que desembocaram no forró e no baião, com as canções de trabalho das plantações americanas que geraram o blues. Mas a melhor definição sobre minha música veio do próprio Gonzaga: é uma banda de pífanos elétrica!
A turnê vai começar em Boston, e parece que você esteve lá muitos anos atrás, antes de se tornar cantor. Como foi essa viagem?
É uma história curiosa. Quando eu era bem jovem me formei advogado pela Faculdade de Direito do Recife. Não tinha intenção de me tornar artista e meu pai, que foi procurador do estado, queria montar uma banca de advocacia comigo. Cheguei a estagiar no escritório de um primo, mas logo percebi que aquele não seria o meu caminho. Fui aprovado para um curso de férias na universidade de Harvard no mesmo ano de Woodstock, no mês em que o homem subiu à lua. Chegando lá, eu costumava levar meu violão para a praça e cantava as músicas que aprendi na minha região: os xotes, toadas e martelos agalopados que o pessoal da minha faculdade em Recife desaprovava, consideravam aquilo antiquado, folclórico. Era uma época em que as pessoas ditas modernas só queriam escutar Beatles, bossa nova ou Tropicália. Mas em Boston a receptividade foi completamente diferente. Os hippies e os hare krishna vibravam quando eu cantava aquelas músicas, dançavam em torno de mim, aplaudiam, faziam uma farra arretada (risos). Chamei tanta atenção que um jornal local, da cidade de Fall River, fez uma matéria comigo e me chamou de o Bob Dylan brasileiro. E eu nunca tinha escutado Bob Dylan em toda a minha vida (risos)! Mas aquilo me incentivou a seguir a carreira artística quando voltei ao Brasil, pouco depois. Inscrevi uma música no Festival Internacional da Canção e fui classificado para cantar no Maracanãzinho, no Rio. E a partir daí iniciei minha vida de artista profissional. Ou seja, não fosse aquela temporada em Boston, talvez não existisse Alceu Valença na música brasileira! E agora vou cantar na House of Blues de Boston. Quero até ver se dou uma passadinha em Harvard, tantos anos depois.
A gente sabe que o ícone Luiz Gonzaga foi a grande influência na sua carreira. Como começou essa relação de amor com a música nordestina?
Luiz Gonzaga é uma referência, assim como Jackson, mas não o chamo de ídolo. Na minha opinião, um artista não deve ter ídolos. Porque a partir do momento em que ele chama outro artista de ídolo, ele passa a se espelhar nesta pessoa e corre o risco de tornar-se um imitador, virar carne de segunda. Então, neste ponto, eu acho que é cada um na sua. Nunca pretendi ser o Bob Dylan brasileiro, até porque minha música não tem rigorosamente nada a ver com a dele, que é muito boa e tudo. Também nunca quis ser o Mick Jagger brasileiro. Eu jamais conseguiria cantar um rock como ele, mas ele também não conseguiria cantar um frevo ou um baião como eu. É uma questão de identidade mesmo. Como diria o filósofo Ortega y Gasset, eu sou eu e as minhas circunstâncias. Acho que é bem por aí.
Como é ser reconhecido como a voz do Nordeste no Brasil?
Venho de uma geração que foi buscar suas referências nas próprias raízes, que mergulhou fundo na música do Nordeste e soube transformar o regional em universal. É o meu caso e também o de Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Dominguinhos, Fagner, Belchior, entre outros. Somos todos de alguma maneira o que você chama de “a voz do Nordeste” e certamente influenciamos e continuaremos a influenciar as gerações que se seguirem. Mais uma vez, eu chamo isso de identidade. E se há uma coisa que o Brasil precisa redescobrir urgentemente é a sua trilha sonora.
Fale um pouco sobre o documentário “A Lisboa de Alceu Valença”.
Há alguns anos eu e minha mulher Yanê compramos um apartamento em Lisboa. Temos passado cerca de dois meses por ano na cidade, de que eu gosto muito. De vez em quando me apresento não só em Lisboa, mas também em outras cidades portuguesas. A receptividade tem sido ótima. Recentemente fui homenageado pelo Forró de Lisboa e o pessoal lá resolveu fazer um documentário comigo, enfocando minha ligação com Portugal. Da mesma forma, no Brasil, acabo de ser tema de um outro documentário, “Alceu Valença na Embolada do Tempo”, e há um terceiro, sobre a fase inicial da minha carreira, nos anos 70, em andamento.
São 40 anos de carreira, 35 álbuns, mais de 5 milhões de discos vendidos e quatro indicações ao Latin Grammy. O que mais o Alceu quer alcançar na carreira e na vida?
Fico muito feliz com todo este reconhecimento, mas não me deixo envaidecer muito com isso. Posso acrescentar ao que você falou o concerto Valencianas, que realizo ao lado da Orquestra Ouro Preto, e que ganhou o prêmio da música brasileira, em 2015; o livro O Poeta da Madrugada, que lancei no mesmo ano; e o filme “A Luneta do Tempo”, que escrevi, dirigi e montei, como realizações recentes que me deixaram bastante satisfeito. No mais, para me sentir totalmente realizado, eu gostaria de dormir mais tempo, porque a insônia às vezes não é brincadeira (risos).
O seu repertório tem tantas canções consagradas da música brasileira, como “Coração Bobo”, “Tropicana”, “Anunciação” e tantas outras. O povo brasileiro adora cantar suas músicas nos shows, nas ruas, e até em estádios de futebol. Como é a sensação de ouvir suas músicas cantadas por milhares de pessoas?
Levou um bom tempo para que uma música minha realmente estourasse e se tornasse bastante conhecida. Já tinha quase dez anos de carreira quando Coração Bobo, uma música que fiz em Paris em homenagem a Jackson do Pandeiro, pipocou em todo o Brasil. No início dos anos 80, com o estouro de Tropicana, Anunciação e Como Dois Animais, passei a fazer shows em ginásios, estádios, frequentar as paradas de sucesso e os principais programas de TV. Canções como essas tornaram-se hinos e me acompanham por onde quer que eu vá. Por exemplo, um vídeo em que canto Anunciação com um grupo de músicos de rua no Rio tornou-se viral com mais de 30 milhões de visualizações na internet. Hoje, a realidade do mercado é diferente. Não se vendem mais discos, não existe mais o hit. Artistas consolidados, como é o meu caso, mantêm ou ampliam seus públicos por terem canções muito conhecidas redescobertas por uma nova geração. Para os novos, a coisa ficou mais complicada, o que os obriga a buscar novas soluções para poderem se viabilizar. Precisamos todos nos adequar aos novos tempos, o que não deixa de ser uma boa notícia também, porque o tempo é tríplice, não tem parada. Presente, passado e futuro ocorrem simultaneamente.
Qual a sua mensagem para os fãs brasileiros que estarão te esperando em julho no sul da Flórida?
Espero todos vocês nos meus shows na Flórida, no Fillmore de Miami Beach, no dia 28/07, e no House of Blues de Orlando, dia 31/07. Gosto de dizer que sou como um espelho do meu povo: eu me reconheço nele, ele se reconhece em mim. E viva a música do Brasil!
O show de Alceu Valença será no The Fillmore Miami Beach at the Jackie Gleason Theater. Mais informações em bit.ly/CncrtTickets.
Foto: Divulgação – Altonio Melcop
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