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( votes)Permanecer em muitos dos povos tradicionais da região de Chocó, na Colômbia, significa enfrentar a violência do conflito armado do país, mas a vida na cidade traz novos problemas
Carlos Córdoba tinha 8 anos de idade quando sua terna infância chegou a um fim abrupto.
Era 1998, e ele vivia com seus pais e dois irmãos em um dos vilarejos afro-colombianos que pontilham as margens dos rios que cruzam o Chocó, uma região remota coberta de selva na costa do Pacífico colombiano que há muito tempo é um foco de violência em meio ao conflito armado, que já dura mais de 60 anos no país.
Quando os combates entre os grupos guerrilheiros e o exército colombiano se aproximaram perigosamente do vilarejo ribeirinho dos Córdobas, a família tomou a dolorosa decisão de deixar tudo para trás. Sob o manto da escuridão, eles fugiram, refugiando-se em um denso trecho de selva. Ao amanhecer, conseguiram passar por um tiroteio e chegar à canoa que os levaria, juntamente com muitos de seus vizinhos, à principal cidade de Chocó, Quibdó.
“Quando cheguei a Quibdó, percebi o que havia perdido”
Embora estivessem seguros na cidade, a vida lá não era nada fácil.
“Quando cheguei a Quibdó, percebi o que havia perdido”, lembrou Carlos, agora com 32 anos, acrescentando que na cidade ele não tinha mais a liberdade e a conexão íntima com a natureza que haviam sido os pilares de sua vida no vilarejo. Ele também ficou para trás em seus estudos. A família havia fugido sem documentos e levou dois anos para conseguir matricular as crianças na escola.
Mas para seus pais, a situação era ainda mais grave. Em Quibdó, eles não tinham mais terra arável para cultivar alimentos, nem podiam simplesmente caminhar até o rio para lançar uma rede e pegar o jantar. Eles também não tinham as habilidades necessárias para conseguir trabalho na cidade.
“Ver meus pais totalmente desesperados porque não tinham como nos sustentar me fez chorar”, disse Carlos.
O dilema em que a família Córdoba se encontrava é típico dos moradores de Chocó e de muitas outras áreas da Colômbia, que tem a segunda maior população de deslocados internos do mundo, depois da Síria, com 6,8 milhões de pessoas. Permanecer em suas aldeias ancestrais significa viver com o espectro sempre presente da violência. Embora o governo colombiano tenha assinado um acordo de paz com a principal organização guerrilheira, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), em 2016, o conflito entre outros grupos guerrilheiros e facções paramilitares continua em Chocó, bem como nas regiões vizinhas de Cauca e Nariño e nas regiões orientais de Arauca e Norte de Santander, na fronteira entre Colômbia e Venezuela. Por outro lado, fugir para a cidade significa potencialmente mergulhar na miséria e na fome que podem durar anos, ou até décadas.
Adaptação à vida nas margens
A decisão de fugir também significa deixar para trás um modo de vida tradicional que data de séculos atrás, quando o Chocó inicialmente se tornou um refúgio para indígenas e pessoas anteriormente escravizadas que escapavam da perseguição.
Várias ameaças de morte forçaram Afranio Nama Forastero, um indígena Embera de 53 anos, a fugir com sua família para Quibdó em 2014. Eles se estabeleceram em um barraco de madeira em Brisas del Poblado, um bairro nos arredores da cidade que foi construído no fim da década de 1990 por pessoas deslocadas que não tinham para onde ir.
Enquanto em sua terra natal Afranio era o chefe de sua aldeia, ele tem se esforçado para encontrar trabalho estável em Quibdó.
“Se vivêssemos em nossa comunidade, estaríamos bem, mas, como pessoas deslocadas, tem sido difícil e tivemos que nos adaptar ao que chamo de ‘vida ruim’ – sobreviver sem emprego e comendo apenas uma ou duas vezes por dia”, disse.
Mas a parte mais dolorosa dos anos que Afrânio passou em Quibdó foi ver seus filhos se afastarem das tradições Embera.
“Estamos perdendo nossa cultura, nossos costumes e tudo isso… perdendo nossa identidade”, disse ele, acrescentando que a maioria dos jovens que cresceram em Quibdó não fala mais Embera. “Agora, tudo é espanhol.”
“Isso dói”, disse ele com um suspiro.
Buscando criar novos vínculos sociais em suas comunidades, Afranio e Carlos se voltaram para o trabalho voluntário. Eles são membros do Grupo de Ação Comunal de Brisas del Poblado, que tem como objetivo quebrar o ciclo de desesperança por meio de projetos comunitários e atividades extracurriculares para os jovens locais. O grupo, que recebe apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), organiza treinos de futebol e aulas de dança após o horário escolar com o objetivo de manter as crianças ativas e engajadas. Ele também trabalha com os residentes para liderar outros projetos, incluindo um centro comunitário que ainda está em fase de planejamento, bem como para dar suporte a famílias com necessidades urgentes.
O ACNUR também está trabalhando para ajudar os residentes a garantir os títulos de propriedade de suas casas – uma etapa fundamental para facilitar o acesso a serviços básicos, como água e eletricidade. Com o tempo, esse processo de legalização permitirá que os moradores de Brisas del Poblado tenham suas casas próprias.
Carlos diz que é a lembrança do deslocamento de sua própria infância que o motiva a ser voluntário no Grupo de Ação Comunal.
“Eu gostaria de ter feito parte de um programa como o que temos agora”, disse ele. “Vejo que [as crianças] são capazes de escapar da nuvem de impotência, desespero e tristeza que vem com … deixar tudo para trás.”
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