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( votes)De 1999 a 2019, foram 20 anos de grandes mudanças nas políticas imigratórias que afetaram a vida de milhões de imigrantes brasileiros que moram nos EUA. Mudanças nas leis de imigração, que muitas vezes ceifaram sonhos e a esperança de viver o sonho americano, mas que outras muitas vezes, também, transformaram vidas e possibilitaram que milhares de pessoas pudessem construir uma nova trajetória neste país. E o grupo Acontece acompanhou de perto todas essas mudanças, que tiveram um impacto importante nas vidas e carreiras de brasileiros do sul da Flórida, por meio de experiências dos nossos leitores e de informações de colaborações de anunciantes, profissionais que lidam com o tema imigração diariamente, como advogados especializados no tema.
Como parte da comemoração aos 20 anos de Acontece, trazemos uma matéria especial contando alguns fatos interessantes sobre a história das leis de imigração nos Estados Unidos ao longo dessas duas décadas, com a colaboração das advogadas Andrea Canona e Elora Ortego, além do depoimento de brasileiros radicados nos EUA, como o jornalista Carlos Borges, que acompanhou de perto todas essas mudanças.
O estado da Flórida é considerado o principal destino escolhido pelos brasileiros, não apenas para o turismo, mas também para viver e investir. Segundo dados divulgados pelo Consulado Geral do Brasil em Miami, a estimativa oficial do Ministério das Relações Exteriores é de que há cerca de 370 mil brasileiros vivendo na Flórida atualmente, tanto em situação migratória regular quanto irregular.
Mudanças nas políticas imigratórias têm um impacto direto nas famílias e nas empresas de imigrantes. Isso não é diferente na comunidade brasileira no sul da Flórida. Ao longo dos últimos 20 anos, os leitores da revista Acontece aqui na Flórida têm experimentado os reflexos dos altos e baixos provenientes de mudanças imigratórias, que têm definido o destino das famílias de imigrantes brasileiros na região.
Uma dessas mudanças, divisora de águas na comunidade brasileira, foi a seção 245(i) do LIFE Act – Legal Immigration Family Equity Act. Antes do LIFE Act, a seção 245(1) das leis imigratórias permitia que pessoas que haviam ficado sem status ou mesmo entrado pela fronteira pudessem se legalizar e obter seu green card, caso tivessem petições legítimas de residência por trabalho (labor certification) ou família protocoladas até o dia 14 de janeiro de 1998. O LIFE Act, que entrou em vigor no dia 21 de dezembro de 2000, estendeu a duração da seção 245(i), ficando esta válida para petições protocoladas até 30 de abril de 2001. Essa anistia, a última dos nossos tempos, foi um sopro de esperança na vida de milhares de famílias que estavam em situação irregular com os órgãos imigratórios. Muitos dos beneficiados por essa anistia hoje são cidadãos americanos. E há outros que, nos dias de hoje, ainda podem se beneficiar do resultado de uma petição feita em seu favor e que lhe concede o tão esperado “perdão” mediante, entre outras coisas, o pagamento de uma multa de US$ 1,000.
Grandes mudanças no pós 11 de Setembro
Logo após o alvoroço da anistia, veio o grande susto de 11 de Setembro. O atentado terrorista em Nova Iorque teve um impacto profundo na área de imigração. Como consequência desses terríveis atos de violência, todo o departamento de imigração, o Immigration and Naturalization Services (INS), foi desmantelado e em 2003 foi substituído pelo robusto e poderoso Department of Homeland Security. O foco de segurança nacional passa então a ser o aspecto mais importante nos pedidos imigratórios, começando-se um escrutínio maior nas petições de vistos, de green card e de cidadania. Além disso, os atentados de 11 de Setembro geraram um ambiente muito sombrio em todos os Estados Unidos, e o clima de medo – que continuou por anos por meio de ameaças de Antrax, entre outras coisas – resultou em muitos imigrantes desistindo dos Estados Unidos e voltando aos seus países de origem. Isso não foi diferente entre os brasileiros. Empresas fecharam, pedidos de visto de trabalho foram abandonados. A economia sofreu. Foi também em 2003 que o infame advogado Javier Lopera foi preso pelas autoridades federais e condenado por fraude imigratória. Isso abalou de maneira estrondosa a comunidade brasileira na Flórida, onde milhares de brasileiros eram clientes do advogado. As autoridades americanas investigaram todas as petições de Lopera em busca de fraudes, e mesmo pessoas com casos legítimos foram sujeitas a investigações prolongadas.
Mais rigor contra as fraudes
Fraudes imigratórias sempre foram uma preocupação das autoridades imigratórias, e em 2004 o Congresso Americano agiu de maneira enfática por meio do L-1 Visa Reform Act. Nessa nova lei, ficaram mais severas as penalidades contra fraudes, e impôs-se um rigor maior na avaliação das petições de transferência empresarial. Foi também estabelecida uma taxa de detecção de fraude, a ser paga pela empresa peticionária.
Nessa mesma linha mais austera, em 2005 o Congresso passou uma lei que até hoje impacta a vida dos imigrantes em todo o país: o Real ID Act. Entre as novas normas estabelecidas pelo Real ID Act estão a criação de padrões nacionais para emissão de carteiras de motoristas, que devem ser seguidos pelos estados. Com isso, estados como a Flórida pararam de emitir carteiras de motoristas para imigrantes indocumentados e passaram a ter padrões muito rígidos na emissão das carteiras. Assim, o medo de dirigir e ser pego sem carteira passou a ser parte do cotidiano de muitos brasileiros no sul da Flórida.
Infelizmente, o medo de dirigir sem carteira levou muitos a um atalho perigoso: buscar o auxílio de pessoas sem escrúpulos e sem licença para advogar, que prometiam o milagre do green card pela ilusória “lei dos dez anos.” Centenas de brasileiros foram colocados em deportação devido à falsa promessa. Muitos já foram deportados. Outros, até os dias de hoje, lutam para tentar reabrir seu caso e buscar um caminho realista para a legalização.
Desde 2005 houve um contínuo aumento no rigor das políticas imigratórias. Nesse ano é que foi proposta a lei de Proteção de Fronteira, Anti-Terrorismo e Controle de Imigração Ilegal, H.R. 4437. Esse projeto de lei muito se assemelha às propostas atuais de construção do muro fronteiriço, criminalização da violação de leis imigratórias, entre outras coisas. Embora tenha passado na Câmara dos Deputados, o projeto morreu no Senado. Mesmo assim, ele ressaltou o ânimo anti-imigrante que surgiu após os atentados terroristas de 2001.
Obama : “Deporter in Chief”
Apenas em 2009, com a eleição do democrata Barak Obama, as esperanças por uma anistia imigratória mais uma vez reascenderam. Todavia, os quatro primeiros anos de mandato foram decepcionantes para os que esperavam mudanças. Mesmo com o congresso a seu favor, o presidente Obama não tocou no tema reforma imigratória nesse período, focando mais em alianças com agências de polícia locais para a deportação de imigrantes com histórico criminal. Isso rendeu-lhe o título “Deporter in Chief”. A única proposta mais favorável aos imigrantes durante esse período, o “Dream Act,” não passou devido a impasses no Congresso.
Somente em seu segundo mandato o discurso do presidente favoreceu mais as políticas imigratórias. Porém, nessa época, ele encontrou um Congresso mais dividido e não disposto a buscar soluções legislativas para a crise dos indocumentados no país. A famosa reforma imigratória proposta pela bipartidária “gangue dos oito” do Senado foi abortada por John Boehner ao chegar à Câmara dos Deputados.
Assim, no dia 15 de junho de 2012, mediante um clima de impasse no Congresso, o presidente Obama anunciou a Ordem Executiva Presidencial DACA – Deferred Action for Childhood Arrivals. A tão controversa ordem executiva gerou um alívio temporário para milhares de pessoas em status irregular imigratório. Com o assinar de sua caneta, o presidente autorizou de maneira temporária a não deportação de indivíduos que foram trazidos ao país quando crianças. Assim, pessoas que cresceram nos Estados Unidos indocumentadas tiveram pela primeira vez acesso à carteira de motorista, autorização de trabalho, educação superior, entre outras coisas que, de maneira muito prática, impactaram suas vidas de forma positiva.
A era anti-imigrante de Donald Trump
Porém, a troca de governo em 2017 trouxe mais uma vez incertezas para os imigrantes nos Estados Unidos. O novo presidente, Donald Trump, prometia “fazer a América grande novamente” por meio de um discurso ousadamente nativista e anti-imigrante. Com políticas como a construção do muro fronteiriço, as ordens executivas “Compre de Americanos – Contrate Americanos (Buy American, Hire American)”, o banimento de mulçumanos, entre outras ações, geraram um crescente mal-estar na comunidade imigrante. Em seguida, a revogação do DACA, a proibição de “cidades santuário” (cidades que não entregavam indocumentados para as autoridades federais), as caravanas de imigrantes, as políticas antiasilo, as separações das crianças dos pais migrantes, entre outros acontecimentos, trouxeram o tema imigração para as primeiras páginas dos jornais.
O que mudou para os brasileiros
Todavia, as políticas mais silenciosas é que têm afetado os brasileiros que desejam imigrar ou visitar os Estados Unidos nos últimos anos. Formulários mais longos, grandes esperas por visto, análises mais rigorosas dos vistos, novas jurisprudências no âmbito executivo, entre diversas outras mudanças, têm causado um impacto direto nas petições de brasileiros desejosos a se mudarem para os Estados Unidos. A categoria EB-1, por exemplo, que engloba tanto pessoas de habilidade extraordinária como executivos de multinacionais, tem experimentado uma retrogressāo histórica, dificultando a obtenção do green card por esses indivíduos. Da mesma forma, exigências de entrevista para todas as categorias de vistos tornaram o trabalho dos oficiais da imigração mais árduo – e mais demorado. A espera por entrevistas tem causado muita ansiedade entre os imigrantes, e casos têm sido transferidos para outras cidades – às vezes bem longe da residência do imigrante -, para que possam ser entrevistados.
Recentemente, foram anunciadas algumas novas regras que certamente terão impacto significativo na vida dos brasileiros que buscam vir para os Estados Unidos. A mudança dos critérios do visto EB-5, de investidores, delineando um aumento substancial no valor do investimento, entre outras provisões, deve frear um pouco o mercado imobiliário no sul da Flórida e em Orlando, que depende muito do investimento de estrangeiros em busca do green card. Semelhantemente, as novas regras sobre “Carga Pública”, que visam barrar a entrada de indivíduos que possam se tornar um “peso” para os Estados Unidos usando benefícios públicos, devem ser sentidas tanto por indivíduos buscando vistos temporários nos consulados, como por aqueles que visam obter sua residência permanente no país.
Como pudemos observar, o terrível atentado de 11 de Setembro resultou em duas décadas de austeridade na área imigratória, que talvez dure um tempo mais. Todavia, historicamente, períodos de grande austeridade foram seguidos por anistias. Foi assim na era Reagan; foi assim no governo Clinton. Caso o padrão histórico venha a se repetir, é possível que experimentemos algum tipo de anistia nos anos vindouros. Porém, a ênfase em segurança nacional e políticas antifraude devem se expandir e contar a cada dia mais com o apoio de tecnologias de ponta. Buscas por informações em redes sociais já são realidade nos pedidos de visto nos consulados. Da mesma forma, troca de informações entre governos permitirá a detecção de fraudes com mais agilidade.
Levando em conta que o tema imigração é hoje o principal assunto em todas as mídias e o carro-chefe em campanhas eleitorais, é bem provável que experimentemos nos próximos anos mudanças significativas que redefinirão o padrão imigratório do país. Resta-nos indagar se essas mudanças serão ainda mais austeras ou, se de forma mais generosa, amplificarão as possibilidades de vistos.
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