Nilson Lattari

Crônica: Uma pílula de gente

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Por Nilson Lattari

Como seria bom se lançassem uma pílula irada, dessas que deixam a mente mais veloz, afiada, e eu fico imaginando a minha inteligência burra, muitas vezes teimosa, cansada de entender os verbos, as equações matemáticas que rondam minha cabeça como corvos a zombar de mim.

Talvez eu goste da minha mesmo, que não olha com os olhos da lógica, do padrão comum, ela enxerga com outros olhos mais sentidos, mais caídos, que muitas vezes choram querendo um mundo diferente para viver.

Dizem que ela faz de você um cara superinteligente, ou o que isso quer dizer, mas, de tanto conviver com gente assim, eu temo que o mundo, lá no futuro, se acabe numa batalha sem fim de mostrar o lado inteligente, lógico, sobre humano, e que esqueça que as gentes são feitas de pedaços que se alimentam de si mesmas. Na ajuda ao outro, ao desafortunado, que não é coisa de carma ou qualquer dessas desculpas esfarrapadas, mas são feitas de carinho e ternura, e pensar o próximo não como alguém digno de pena, mas digno de ser encaminhado por nós mesmos e não espíritos outros. E ver o outro a caminhar sozinho. É como um professor e, no íntimo, sem regozijar para fora pensar “fui eu que fiz!” e pegar o próximo da fila e seguir assim a vida adiante, porque é essa a diferença que faz a sociedade ser diferente e amorosa, cada um de nós ensinando um pouco, para aprendermos e sermos inteligentes juntos.

Seria melhor ter criado uma pílula de amor, carinho e afeto, e o mundo mais desperto se encheria de uma inteligência boa, nada de mercados, de passar a perna no outro e dizer que é apenas “expertise”.

Não seria uma pílula para escurecer ou branquear a pele e fazer a igualdade, mas que vislumbrasse lá dentro, na cabeça da gente, aquele lugarzinho escondido, e viesse para frente, onde aprendemos, nos primeiros anos, que todos somos iguais e podemos abraçar o outro sem vergonha de se sentir feliz.

E nossos pensamentos e nossos atos se transformariam na força da prece que fazemos, nem todos, mesmo que todos saibamos qual seja ela, a primeira que o Mestre ensinou.

Seria uma pílula simples, talvez toda colorida, com as cores do arco-íris, da bandeira, da paz ou do vermelho de sangue que viaja igual dentro de nós todos, e pudéssemos nos drogar de versos que rimassem, lançados a esmo, e lá dentro ela se decompusesse e se transformasse em “Amai ao próximo como a ti mesmo”.

Foto de Myriam Zilles na Unsplash

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