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Em meio à modernidade marcada pelas tecnologias e pela superexposição nas redes sociais, onde a imagem frequentemente prevalece sobre a realidade, surge a pergunta: como está o amor romântico que tanto se idealiza nesta data? O Valentine’s Day, tradicionalmente associado à celebração do amor e da intimidade, enfrenta desafios no contexto atual, em que as relações parecem cada vez mais mediadas por filtros digitais e validações externas. Será que o romantismo deste dia consegue resistir às pressões de uma sociedade que privilegia aparências em detrimento de conexões genuínas?
A origem histórica do dia dos namorados
Para repensarmos o sentido dessa data, vale a pena resgatar o contexto histórico de sua criação. Uma das narrativas mais conhecidas conta que São Valentim foi um padre do século III que desafiou o imperador Cláudio II. O imperador havia proibido casamentos entre jovens para fortalecer seu exército. Valentim realizou casamentos secretos, mas acabou preso e condenado à morte. Durante sua prisão, teria se apaixonado pela filha do carcereiro, enviando-lhe uma carta assinada como “Seu Valentim”. Este gesto é apontado como a origem simbólica da tradição de enviar mensagens de amor, que não se limita ao amor romântico, mas também mensagens carinhosas para amigos e familiares nessa data.
Podemos observar que as relações amorosas e a maneira de construir vínculos afetivos se moldam de acordo com os discursos e as construções sociais e culturais de sua época. Na Modernidade, o amor romântico — que envolve desejo, paixão e intensidade — era visto como a expressão máxima de uma realização pessoal. Ele se constituía como o alicerce da felicidade individual, incorporado a outros elementos como cumplicidade, parceria, segurança afetiva, solidariedade, constituição familiar e o prazer sexual enriquecido por carinho e sentimento.
Amor nos dias atuais
A contemporaneidade, ou pós-modernidade, marcada pela globalização e digitalização das relações, causou uma fragmentação nos discursos tradicionais. Se analisarmos nossa atualidade, verificamos que a demonstração de afeto tem se tornado cada vez mais banalizada, refletindo um sujeito que frequentemente não se compromete com sua própria palavra e tampouco com o vínculo firmado com o outro. É pertinente recorrer aos pensamentos de Zygmunt Bauman, que descreve a “vida líquida” na sociedade “líquido-moderna” como uma “vida de consumo”, na qual o mundo e todos os seus fragmentos, sejam animados ou inanimados, são projetados como meros objetos de consumo.
Portanto, o discurso amoroso no século XXI reflete as profundas transformações ocorridas nas estruturas sociais, decorrentes de uma nova moral cultural e da lógica das sociedades de consumo. As relações tornaram-se instáveis e efêmeras, e o “objeto amoroso” é frequentemente tratado como descartável, refletindo a mesma lógica que rege o consumo de bens materiais.
Em uma sociedade cada vez mais centrada na busca incessante por gratificação imediata, é fundamental refletirmos sobre o verdadeiro significado do Valentine’s Day, resgatando seu caráter simbólico de celebração do amor genuíno, da conexão emocional e do compromisso afetivo. O real valor dessa data não reside em gestos superficiais e consumistas, mas sim em ações de cuidado, respeito e afeto, que tocam as dimensões mais profundas e autênticas da experiência humana.
Sobre a autora:
Juliana dos Santos Lourenço é Mestre em psicanálise, especialista em psicologia clínica e professora de psicanálise pelo Centro Universitário Internacional UNINTER.
Foto: AdobeStock
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